Título: UE acena com concessões em subsídios domésticos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2006, Brasil, p. A2

Às vésperas da chegada a Londres do presidente Lula, a União Européia (UE) sinalizou que aceitará cortes maiores nos subsídios agrícolas que mais distorcem o comércio internacional, desde que parceiros comerciais como o Brasil e Estados Unidos também façam novas concessões na Rodada Doha. Em encontro de altos funcionários do G-6 (Estados Unidos, União Européia, Brasil, Índia, Austrália e Japão) na semana passada, em Paris, a UE indicou pela primeira vez que pode melhorar significativamente sua oferta inicial de cortar em até 70% os subsídios domésticos da ''caixa amarela'', comparado a proposta dos EUA de cortar em 60% Agora, os europeus vão além e dizem que podem fazer redução de até 75%, desde que os EUA façam corte de 65%. A proposta significa na prática consolidar na Organização Mundial do Comércio (OMC) a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) - ou seja, os europeus não fazem mais do que já tinham decidido. Em contrapartida, a iniciativa tem efeito direto sobre os EUA. Washington teria menor margem de manobra para subsidiar produtos que vão competir com os brasileiros, especialmente soja, algodão, milho e arroz. Os americanos reagiram com desgosto à proposta européia, ainda mais que a pressão vai começar a passar para eles. A delegação brasileira presente em Paris reagiu com cautela ao aceno europeu. A questão é como a proposta poderá ser oficializada. Negociadores dizem estar implícito na proposta o preço a ser cobrado do país: concessões nas áreas industrial e de serviços. O Brasil havia proposto cortar em 50% as tarifas industriais consolidadas, mas os europeus insistem que o corte deve passar dos 65% para ter real abertura no mercado brasileiro. Além disso, as pressões para mais concessões do Brasil em telecomunicações, serviços financeiros, construção civil etc. também aumentam. Negociadores brasileiros dizem que o Brasil está disposto a aumentar o grau de liberalização nas áreas industrial e de serviços, mas de acordo com o estágio de desenvolvimento do país, e em hipótese alguma fará mais do que os países industrializados na área agrícola. A iniciativa européia, em todo caso, pode dar uma nova dimensão ao debate sobre comércio entre Lula e o primeiro-ministro britânico Tony Blair, desta vez sem necessariamente entrarem na discussão de um encontro de presidentes para desbloquear a Rodada Doha. Para diplomatas brasileiros, a idéia de cúpula presidencial fica como uma "carta na manga". Consideram que o simples fato de ter sido mencionada já serviu como pressão sobre os negociadores na OMC. Em Paris, a União Européia disse que estava agora preparada para eliminar o apoio mínimo destinado a produtos específicos. Além disso, pelas regras atuais um país rico pode isentar dos subsídios o equivalente a 5% do valor total de sua produção agrícola. Os europeus aceitam baixar esse nível para 2,5%, como foi inicialmente proposto pelos americanos. O G-20, o grupo liderado pelo Brasil na negociação agrícola, faz em Genebra diferentes cenários para "ajustar" algumas de suas propostas, afim de atingir um consenso. Hoje, haverá nova rodada de negociações entre altos funcionários do Brasil, EUA, UE, Índia, Austrália e Japão, preparando a reunião ministerial que ocorrerá de sexta a domingo próximo em Londres. A expectativa é que o G-6 consiga aproximar posições. Por sua vez, os EUA estariam já preparando uma nova reunião de ministros para o começo de abril em Nova York, na qual a pressão seria especialmente forte para que os países façam concessões substanciais no setor de serviços. Negociadores brasileiros dizem não saber oficialmente dessa reunião em Nova York, mas parece claro que as articulações vão se intensificar para que os países tentem um acordo até o final de abril e com isso a Rodada Doha possa prosseguir. (AM)