Título: González vê risco de oferta de petróleo e mais tensões
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2004, Brasil, p. A-4

O ano de 2005 não será um ano ruim para o Brasil, que pode crescer cerca de 4,5%. Mas o cenário internacional tende a piorar, na avaliação do ex-primeiro ministro da Espanha, Felipe González. Ele prevê uma crise de oferta de petróleo, com tensões crescentes nos próximos 10 anos, e diz que o Brasil e os vizinhos latino-americanos deveriam integrar suas redes de energia transformando esse investimento num fator de desenvolvimento regional. "A crise energética é inexorável. Vamos viver uma crise de oferta de energia e isso vai significar tensão bélica e conflitos", disse González, ontem, num seminário organizado pelo grupo Odebrecht para comemorar seus 60 anos. Ele observou que há poucos investimentos novos hoje no mundo na área de produção de petróleo e a demanda continuará crescendo. "Os Estados Unidos vão querer continuar consumindo 24% da energia produzida no mundo. A União Européia, cerca de 20%, o Japão, 18% e a China, em 2014, vai estar consumindo 30%", disse González. Não ajuda em nada, claro, o fato de os Estados Unidos estarem ainda em luta no Iraque. O erro estratégico da ocupação do Iraque, pelos EUA, tem, na visão de González, a capacidade de levar esse conflito além das fronteiras iraquianas. O Paquistão, por exemplo, é um país muito instável. E "o mundo islâmico", que vai da Indonésia ao Iraque, é responsável por 55% da produção global de petróleo, lembrou González. "Os preços de energia se manterão muito altos e prejudicarão os níveis de desenvolvimento", diz ele. Diante desse cenário, em sua opinião, a América Latina deve redefinir seu papel e tratar a energia gerada na região como "um fator de desenvolvimento e um fator de integração regional". Dessa maneira, "a América Latina pode redefinir seu destino e ter o Brasil como centro dessa região". O professor de economia da Unicamp, Luciano Coutinho, considera que o cenário internacional à frente é de "alto risco". Para ele, "o mais grave é o imenso déficit (fiscal) americano e a fragilidade do dólar, que podem prejudicar o crescimento da Europa e da Ásia". Coutinho perguntou a González se o Banco Central Europeu (BCE) evitaria uma nova "recessão mundial que, para o Brasil, pode ser dramática". González lembrou-se que o presidente do banco central americano, Alan Greenspan, lhe fez a mesma pergunta pouco antes de Bill Clinton deixar a Casa Branca, em 2000. A resposta, então, foi "não" e continua sendo "não", respondeu o ex-premiê. "A Europa não tem uma política monetária flexível como a americana. Ela vai reagir contra o euro forte, mas será tarde", diz González. Lembrou que o Fed, quando avalia a taxa de juros, considera os níveis da inflação e do emprego. Na União Européia, o BCE preocupa-se apenas em controlar a inflação. Quando ? 1 estiver valendo US$ 1,50, prevê, o BCE poderá fazer algumas operações de mercado e provocar um recuo a US$ 1,40. González, um socialista "pragmático", como se define, e que por 14 anos comandou a Espanha, também não acredita que a Europa possa substituir os EUA como motor do crescimento mundial. Quanto à China, ele e Coutinho concordam em que deverá continuar crescendo, ainda que abaixo do patamar atual de 9%. Para que o Brasil alcance a situação ideal de crescimento econômico com igualdade social, mesmo nesse cenário de insegurança internacional, não bastaria investir em energia e integrar suas redes aos sistemas dos vizinhos latino-americanos. González diz que os governos, com a ajuda do setor privado, devem gastar mais para melhorar a infra-estrutura física - desde rodovias, portos, aeroportos, saneamento e habitação - e a saúde e a educação da população. Dessa forma, poderia ser feita uma redistribuição de renda indireta. O ex-primeiro ministro da Espanha, como havia feito em palestra no sábado no Instituto Fernand Braudel, disse que para fazer essa agenda funcionar o Brasil poderia construir um consenso nacional, negociado entre governo, empresários e trabalhadores, assim como a Espanha fez nos anos 80. A antropóloga e ex-primeira dama Ruth Cardoso, que também participou do seminário, observou que "no Brasil, temos problemas velhos ainda não resolvidos. A taxa de analfabetismo é muito alta e a mortalidade materna ainda é um problema". González, por sua vez, observou que no mundo de hoje não basta saber ler e escrever. É preciso ter acesso à internet. O professor de filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro, concordou e disse que a educação brasileira deveria ser mais criativa. "Nossa educação é fraca, recebe poucos recursos e nossa elite prefere comprar um carro novo a gastar mais na educação dos filhos", afirmou Ribeiro, que é diretor de avaliação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação.