Título: Combate à corrupção é prioridade de Wolfowitz no Banco Mundial
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Fonte: Valor Econômico, 06/03/2006, Internacional, p. A11
"Corrupção" já foi uma palavra que o Banco Mundial (Bird) não pronunciava. Seus funcionários empregavam eufemismos como "impostos implícitos" ou "comportamento enriquecedor" para não serem acusados de interferir em seara política. Uma década atrás, James Wolfensohn, então presidente, quebrou o tabu com um discurso sobre o "câncer da corrupção" e iniciou uma campanha para melhoria da administração pública em países pobres. Seu sucessor, Paul Wolfowitz, foi ainda mais longe. Combater subornos é sua maior prioridade. Nem todo mundo julga que Wolfowitz, no cargo desde junho passado, está atacando a questão da maneira correta. Mais recentemente, ele tentou tornar mais severas as condições anticorrupção impostas para um perdão da dívida da República do Congo. O país tem uma elite notoriamente corrupta; as finanças da companhia petrolífera estatal são, decididamente, opacas. Wolfowitz queria condicionar o perdão total da dívida a um histórico de esforços anticorrupção por três anos, especialmente transparência em auditorias na companhia petrolífera. O Conselho Diretor do Banco mostrou-se cético, argumentando que o Congo tinha direito ao abatimento da dívida sob os critérios correntes e que não poderia impor novas regras em cima da hora. Após de uma reunião tumultuada do Conselho, em 24 de fevereiro, chegou-se a uma solução intermediária. O cancelamento irrevogável da dívida viria somente após "sucessivas auditorias anuais". Wolfowitz já cancelou ou suspendeu vários empréstimos "impuros", alguns deles para clientes poderosos. Mais de US$ 800 milhões para o sistema de saúde da Índia foram suspensos, após surgirem provas de suborno num projeto de saúde pré-natal. Um empréstimo de US$ 35 milhões para a construção de estradas em Bangladesh foi cancelado quando ficou claro que concorrências foram manipuladas. Um projeto para melhoria da rede de segurança social argentina foi suspenso após Wolfowitz ficar preocupado com o fato de o dinheiro ter sido usado para comprar votos na eleição de 2003. Uma nova versão do empréstimo será debatida pelo Conselho do Banco Mundial neste mês. Wolfowitz também está agindo em relação a outros países na África. Ele suspendeu cinco empréstimos ao Quênia, embora dois outros, inclusive um para combate à corrupção, terem sido postos em ação. Corrupção no Quênia foi também uma preocupação durante o mandato de Wolfensohn, fazendo-o sustar a concessão de empréstimos no país. Em janeiro, Wolfowitz suspendeu todos os empréstimos ao Chade, quando seu presidente rasgou um acordo com o Banco cujo objetivo era garantir que as receitas petrolíferas não teriam utilização indevida. Para conduzir o esforço anticorrupção, Wolfowitz reforçou o Departamento de Integridade Institucional do Banco, um orgão fiscalizador interno estabelecido por seu antecessor. A unidade tem hoje 22 investigadores e contratará mais 12. Esse pessoal recebeu ordens de se envolver na preparação de projetos, em vez de só reagir a preocupações com propinas. A campanha de Wolfowitz provocou reações positivas e negativas. Ninguém duvida que a corrupção continua sendo um enorme ônus para países pobres, apesar dos esforços do Banco na década passada. Mas muitos especialistas em desenvolvimento consideram a política de Wolfowitz, a um só tempo, ingênua e arbitrária. Corrupção, argumentam, é um problema complexo. "É muito fácil ficar sentado em Washington e dizer que devemos ser duros contra a corrupção", diz Dennis de Tray, ex-diretor do Banco na Indonésia e na Ásia Central. "No mundo real, há muitos tons de cinza." O estilo de administração de Wolfowitz veio somar-se às preocupações. Ele se apóia em um pequeno grupo de assessores que trouxe consigo, nenhum deles especialista em desenvolvimento. Técnicos que trabalham no Banco queixam-se de que os recém-chegados não têm idéia de como dirigir a organização e que o empenho anticorrupção deles pretende mais impressionar o Congresso dos EUA do que ajudar os pobres do mundo. Vários veteranos de alto escalão deixaram a instituição. O fato de o corpo técnico do Banco queixar-se do estilo de seu chefe não é de surpreender. As relações de Wolfensohn com seus subordinados de início foram também ásperas. Ele trouxe um contingente grande de gente de fora da instituição e era notório que não confiava no corpo técnico do Banco. Funcionários de alto escalão deixaram o Banco, disso resultando meses de paralisia. Seria uma pena se a história viesse a se repetir. Wolfowitz tem razão em centrar fogo na corrupção e será difícil fazê-lo da maneira correta. Ninguém questiona o fato de que melhor administração pública é necessária para ajudar países pobres a crescer. Durante uma década, o Banco buscou estimular a boa administração, com reformas envolvendo de formação de juízes a aperfeiçoamento de processos orçamentários. Mas os resultados, de modo geral, foram desapontadores. Alguns modismos iniciais, como a criação de comissões anticorrupção, foram, em sua maioria, ineficazes. No geral, a prática de suborno não diminuiu. Se coibir a corrupção deve ser a prioridade do Banco, o esforço necessitará ferramentas intelectuais mais mais aguçadas. Muitos indicadores de corrupção são classificações relativas baseadas nas percepções de investidores e especialistas. Existem algumas medidas objetivas, absolutas, para diferentes países, porém mais medidas de avaliação são necessárias. Politicamente, também, centrar a ação do Banco fundamentalmente contra a corrupção é complicado. Como uma instituição tecnocrática, o Banco não deveria emitir juízos políticos. Essa linha já ficou nebulosa e a abordagem de Wolfowitz a toldará ainda mais. Uma imprensa livre, por exemplo, é uma poderosa ferramenta contra a corrupção. Deveria o Banco condicionar seus empréstimos a maior liberdade de imprensa? Se Wolfowitz encara seriamente o combate à corrupção, esse tipo de questão não pode ser evitado. E haverá muito mais controvérsias adiante. (Tradução de Sergio Blum)