Título: Propaganda hispânica vive revolução bem humorada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2006, Empresas &, p. B4

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Até recentemente, passar uma noite assistindo as propagandas da TV em língua espanhola era uma garantia de boas risadas. Mas, na medida em que o número de telespectadores dos canais latinos, como o Univision, supera os da CBS em algumas semanas, os preços de veiculação dos comerciais de TV estão aumentando - e assim, as pressões para que não aconteça com esses canais o fenômeno do "zapping" (troca de canal), que aflige as emissoras de língua inglesa. Isso está ajudando a desencadear uma revolução criativa na propaganda hispânica, uma vez que os clientes estão assumindo mais riscos para atingirem um mercado em crescimento acelerado de consumidores assimilados e que possuem gostos de entretenimento multiculturais. Cada vez mais os comerciais marcados pelo humor substituem os fracos anúncios que durante mais de duas décadas foram veiculados nos canais de língua espanhola. Veja só a mudança ocorrida nos comerciais do mais saudável dos produtos: o leite. Nos últimos quatro anos o California Milk Processor Board veiculou comerciais que mostravam cenas ternas de uma grande família latina, que incluía até a avó fazendo um bolo "tres leches". O slogan, previsivelmente, era "familia, amor e leche". Esse enfoque apresentava um grande contraste em relação à campanha "Got Milk?" veiculada nos canais de língua inglesa e que apresentava cenas bem humoradas que incluíam um homem em uma cama de hospital com o corpo e a cabeça engessados, tentando comer um biscoito pelo buraco aberto no gesso sobre a boca, que lhe era servido por um colega de quarto, para depois ser deixado sozinho e clamar por um pouco de leite. A nova campanha em língua espanhola apresenta um tom bem mais próximo da campanha original. Concebida pela agência Grupo Gallegos, de Long Beach, na Califórnia, ela mostra pessoas com dentes, ossos e cabelos extraordinariamente fortes. Um dos comerciais mostra os passageiros de um trem do metrô "segurando" as correias de apoio com os dentes. O slogan: "Toma Leche" (Beba Leite). Foi a Grupo Gallegos que sugeriu a aproximação dos comerciais hispânicos do modelo bem humorado dos comerciais de língua inglesa. Não foi preciso muito para conquistar o presidente do California Milk Processor Board, Steve James. "Estávamos vendo linhas estagnadas ou em queda nos mercados hispânicos e nossos anúncios em espanhol estavam ´falando´ apenas para os clientes que já tínhamos", diz.

O poder de compra dos hispânicos deverá alcançar US$ 926 bilhões em 2007. Em 2002, eram US$ 580 bilhões

A melhoria das propagandas em língua espanhola está se tornando uma necessidade, uma vez que aumenta o poder de compra do segmento para o qual elas são voltadas, juntamente com os níveis de educação. As agências vêem a atual explosão latina como algo parecido com o fenômeno do "baby boom", ocorrido nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, no qual uma geração de crianças que cresceram com uma mentalidade diferente da de seus pais, se tornaram uma força condutora do consumo em um período bastante dinâmico. O poder de compra dos hispânicos deverá alcançar US$ 926 bilhões em 2007, em comparação a US$ 580 bilhões em 2002, segundo o Television Bureau of Advertising.

A agência Grupo Gallegos, criada há quatro anos, vêm sendo um catalisador para os anunciantes que estão repensando um estilo convencional dos comerciais. Dois anos atrás a agência sacudiu a propaganda hispânica com um comercial de TV para a Fox Sports Net que mostrava uma dona-de-casa hispânica voltando das compras e sentindo um cheiro ruim em sua casa. Sem diálogos, a câmera a segue pela casa e finalmente entra na sala-de-estar, onde ela encontra seu marido tão ligado a um jogo de futebol que o está assistindo de um banheiro próximo com a porta aberta. "Esse é um grande exemplo de como pegar uma cena da vida familiar, não importa a cultura, e levar o comercial para o lado do entretenimento", diz a consultora de marketing hispânico, Jennifer Woodard, que edita o site "The Latino Marketing Report Web Site". John Gallegos lembra-se da excitação que tomou conta da agência quando o comercial assumiu a tão ansiada condição viral: ele recebeu um e-mail com o título "Por que as Mulheres Odeiam Esporte", com um link para o comercial. No ano passado a Gallegos ganhou prêmios por um comercial das pilhas Energizer que mostrava um homem hispânico com um braço transplantado de um japonês, que não conseguia parar de tirar fotografias com o novo braço e mão.

Os anunciantes preferem criar anúncios em espanhol que façam um paralelo próximo das campanhas de massa

Jogar com estereótipos (e contra eles) está no cerne do novo gênero. Isso não é fácil, uma vez que "não só os americanos se sentem confortáveis com os estereótipos positivos como um meio de serem politicamente corretos, como muitos hispânicos também se sentem confortáveis com isso", afirma a consultora Jennifer Woodard. Ela cita o trabalho do popular comediante George Lopez, conhecido por atacar com humor os estereótipos dos mexicanos-americanos. Um clima mais hospitaleiro à tomada de riscos também não simplifica necessariamente a procura do equilíbrio certo. A Virgin Mobile Telecoms acabou ficando mais "amalucada" em espanhol do que em inglês. Anúncios intitulados "No Soy Normal" usam cenários bizarros para promover os planos de previdência de contribuição definida, preferidos pelo mercado hispânico. Em um comercial de TV, um homem com orelhas de um cachorro cocker-spaniel batendo ao vendo, dirige um automóvel conversível com a namorada do lado. "Discutimos muito sobre até que ponto ir, mas decidimos que é importante levar a irreverência da marca Virgin para todas as audiências", diz Bob Stohrer, vice-presidente de marca e comunicações da Virgin Móbile. Os anunciantes cada vez mais preferem criar anúncios em espanhol que façam um paralelo próximo das campanhas de massa, ao invés de criarem estratégias totalmente separadas para os latinos. Os anúncios da Southwest Airlines para o mercado geral, por exemplo, mostram situações sociais embaraçosas para as pessoas, para então apresentarem o bordão "Quer se livrar dessa?", seguido de um preço de passagem barato. Anúncios da Dieste Harmel & Partners, uma agência de propaganda de Dallas, refletem a estratégia geral para o mercado e também forçam a barra, fazendo graça com imagens tradicionais da masculinidade latina de uma maneira que, até recentemente, seria difícil de ser vendida para os clientes. Em um dos anúncios, um jovem viril segue de patins até a janela aberta de um carro estacionado para admirar seu reflexo. De repente, o vidro desce e ele descobre, para a sua surpresa e desconforto, que dois homens o estão admirando de dentro do carro. Os latinos, afirma o principal executivo da agência, Tony Dieste, querem se divertir e rir de si mesmos assim como qualquer um. "E convenhamos, quantos jantares em família e jogos de futebol nós temos paciência para ver todas as noites?"