Título: Votorantim muda para manter expansão
Autor: Ivo Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2006, Empresas &, p. B6

Estratégia Terceira geração preparou grupo para internacionalização e para atuar como companhia aberta

Há no mundo empresarial a síndrome da terceira geração: a primeira constrói o negócio da família, a segunda consolida e a terceira o destrói. Estudos mostram que, em cada cem empresas familiares, entre 85 e 90 morrem ou são passadas adiante até a terceira geração. O grupo Votorantim, um dos maiores e mais tradicionais conglomerados industriais do Brasil, acredita que passou nessa prova. No comando está a terceira geração, que há um bom tempo vem se cercando de iniciativas para impedir o esfacelamento da companhia diante dos anseios díspares do grande número de herdeiros da nova safra. A quarta geração já beira 60 pessoas, quase o triplo de membros da atual geração, 23, oriunda de quatro ramos da família. E este não é o único desafio. Num mundo globalizado, onde as empresas tiram vantagem das diferenças de suas operações espalhadas ao redor do planeta, o grupo Votorantim tem 95% de seu faturamento ainda das fábricas brasileiras e só muito recentemente começou a dar os primeiros passos em investimentos no exterior. Os primos Carlos e José Roberto Ermírio de Moraes estão convencidos de que a questão sucessória está bem encaminhada no grupo. Eles integram com seus irmãos e primos José Neto, Clóvis Scripilliti, Fábio Ermírio, Carlos Eduardo Scripilliti, Cláudio Ermírio e Luís Ermírio o grupo de oito membros da terceira geração da família que desde fins de agosto de 2001 assumiu o comando executivo da Votorantim. Os pais desde então ascenderam ao conselho de acionistas. Carlos, filho de Antônio Ermírio de Moraes, preside o Conselho Executivo do grupo, formado pelos oito componentes. José Roberto, filho de José Ermírio de Moraes Filho, além de integrar o conselho preside a Votorantim Industrial, holding operacional que reúne os principais negócios da companhia, que tem quase 90 anos - foi fundada em 1918 - e emprega perto de 30 mil pessoas. Eles não começaram por cima. "Faz mais de 25 anos que estamos na estrada comendo poeira; desde quando nossos pais nos puseram para trabalhar em um dos negócios", relata José Roberto. No calor dos seus 20 anos, eles deixaram a boa vida na capital paulista para aprender os negócios da família em pequenas cidades onde se localizavam as fábricas. Carlos viveu o dia-a-dia da fabricação de cimento, conhece pormenores da área de mineração e minúcias do setor de geração de energia. Como ele, cada herdeiro desenvolveu uma expertise, que, mesmo com a crescente profissionalização do grupo, é tida como fator diferencial na hora de toma decisões estratégicas. "Quando chega uma proposta da área executiva de metais, por exemplo, eu já dou um parecer se ela tem condições ou não de aprovação no conselho executivo", diz Carlos. A experiência de cada um ajuda a queimar etapas. José Roberto participou ativamente da criação do negócio de celulose e papel. Seu irmão mais velho, José Neto, está à frente do Banco Votorantim, criado no início dos anos 90 para atender necessidades financeiras do conglomerado. O primo Fábio está presente em cimento e na sua internacionalização e um outro cuida da produção de suco de laranja. Cimento, alumínio, aço, zinco, níquel, celulose e papel, química, energia e suco de laranja representam aproximadamente 90% do faturamento líquido de quase R$ 19 bilhões em 2005. O banco e os novos negócios, um nicho recente voltado para investimentos em biotecnologia e em tecnologia da informação, perfazem o restante do portfólio do grupo. Não há dúvidas entre pares empresariais da Votorantim de que a receita transmitida pelos quatro patriarcas aos filhos vem sendo seguida com êxito nem há quem veja riscos iminentes no processo sucessório familiar do grupo no futuro. "O sistema adotado por eles é um modelo de organização a ser seguido por outros grupos familiares", comenta um executivo de um grupo concorrente. Nos últimos cinco anos, que retrata a gestão executiva da terceira geração, o grupo cresceu muito. Esse salto é atribuído a uma gestão cada vez mais unificada e a constantes reinvestimentos de recursos na expansão dos negócios. "Saímos de pouco mais de R$ 800 milhões de investimentos em 2000 para o patamar de quase R$ 5,5 bilhões previsto para este ano", conta José Roberto. Além de fazer crescer os ativos existentes, a Votorantim comprou muita coisa nesse tempo, dentro e fora do Brasil. Adquiriu concorrentes no zinco, no níquel e em celulose e papel. No cimento, estreou em 2001 na América do Norte, onde já aplicou US$ 1,5 bilhão e detém 5% de toda a venda nos Estados Unidos, mercado quatro vezes o tamanho do brasileiro. Na região dos Grandes Lagos (norte do país) tem 27% do mercado e compete com gigantes da Suíça, Alemanha e Itália. No Peru, adquiriu ativos de produção de zinco. A exemplo dos pais, "os meninos", como se refere a eles Antônio Ermírio, trilham uma estratégia estilo pé no chão. A cautela é marca registrada: está no DNA do grupo. "Não vamos crescer simplesmente para ganhar tamanho; temos uma meta de retorno de no mínimo 12% em qualquer negócio. Por isso, caminhamos passo a passo", justifica Carlos. Com essa postura, diz, o resultado operacional do grupo tem crescido à taxa anual média de 14%, com margens sobre a receita na casa de 35%. Considerando a diversidade de negócios, é superior aos 26% da General Electric. Mas ainda abaixo dos 40% da Petrobras e dos 46% da Vale do Rio Doce, segundo dados de 2004. Representantes da terceira geração, recém-saídos das universidades, começaram a tomar pé dos negócios no fim dos anos 70. "Era uma época de economia fechada, de política industrial de substituição de importações, e percebemos que deveríamos nos preparar para um cenário que exigiria competitividade", lembra Carlos. O Brasil crescia a 10% ao ano, mas achavam que aquele modelo de economia fechada não duraria para sempre. Por isso, buscaram a excelência da qualidade em processos de produção, redução de custos e ganhos de competitividade para as fábricas. O processo de troca de visões entre terceira e segunda gerações, conforme relatam, ocorreu gradativamente e sem choques. Austeros, José, Antônio, Clóvis Scripilliti, marido da irmã Maria Helena, e Ermírio puseram os filhos para ganhar experiência no chão de fábrica. Em meados dos anos 80, já sopravam os primeiros ares de uma nova mentalidade empresarial no país, que via a importância de acessar o mercado internacional. Essa mudança de cultura ganhou força entre os herdeiros. Em 1987, começaram a discutir o conceito de governança corporativa no grupo. A idéia era prepará-lo para um modelo de gestão que servisse tanto para a terceira como para a geração seguinte. Apenas a Cimento Itaú, adquirida em 1977, tinha capital aberto. O grupo era focado em indústria de base, pioneira em alguns casos, como cimento e metais, e carregava a pecha, ainda presente nos dias atuais, de dominar certos setores da economia. "O cimento era uma atividade oligopolista por ser de capital intensivo. O grupo teve o pioneirismo de investir nesse negócio", rebate Carlos. A Votorantim detém há um bom tempo 40% do mercado brasileiro de cimento e nove outros grupos repartem 60%. Atualmente, do grupo, a VCP tem ações negociadas na Bovespa e em Nova York. Além disso, está no controle de empresas abertas - Aracruz, Usiminas e CPFL Energia. A reorganização das dezenas de empresas foi outro passo. "Nosso maior desejo era atuar de forma uniforme, como um 'grupo único´, pois havia uma dispersão de esforços dentro da companhia", relata Carlos. José Roberto, que dirigia uma empresa de cimento no Sul, disputava mercado com primos em Minas Gerais e Goiás. Eles reconhecem, entretanto, que o modelo adotado pelos pais, de cada unidade trabalhar com independência operacional, foi muito bom para a consolidação até os anos 70. A terceira geração decidiu sair da frente da gestão operacional das empresas com a criação de uma holding, a Votorantim Participações, cujo objetivo era de traçar estratégias - em que, onde e em que hora investir ou desfazer-se de ativos. "Tínhamos a visão da árvore, mas era preciso ter também a visão da floresta", diz Carlos. Seus pais tocavam os negócios como setores autônomos, em que cada membro da família agia como dono. E cada um fazia a gestão do seu caixa: por exemplo, Antônio Ermírio, nos metais, e o José Ermírio, no cimento. Mas a questão era, em um cenário de recursos escassos, como utilizar caixa de um negócio para investir em outro, como celulose, papel e suco de laranja, oportunidades que surgiram nos anos 80 e que demandavam US$ 1 bilhão de investimentos? Conclusão de todos e consenso entre os pais: se não centralizassem, se não organizassem uma holding operacional, iriam enfrentar dificuldades no futuro. "Com isso, subimos de patamar e abrimos espaço para crescer: entramos em celulose e papel, no suco de laranja, na área financeira e iniciamos o processo de internacionalização, que era um tabu dentro do grupo". A idéia da holding maturou no fim dos anos 80 e se consolidou em 2000. Outra etapa foi a redefinição do portfólio de negócios, que levou à saída de áreas tradicionais que marcaram o início do grupo, como têxtil (berço de sua criação), refratários (de 1942) e filmes flexíveis, da década de 40. "Tivemos o bom senso de fazer algo que era bom para o grupo e nossos pais entenderam. Para eles, se os filhos estavam de acordo porque era bom". Os herdeiros também correram o mundo em busca das melhores práticas de gestão. Tomaram contato com os modelos de Alcoa e Toyota. Na fabricante japonesa viram o melhor sistema de manufatura e de ganhos de competitividade. E viram que era possível replicar no grupo. Assim foi criado, em 2001, o Sistema de Gestão Votorantim (SGV), cujos ganhos já somaram R$ 3 bilhões de 2003 até agora. A grande parte é resultado da unificação do caixa e de captações das empresas na holding Votorantim Industrial, cujo comando da diretoria corporativa foi entregue a Raul Calfat, executivo de confiança que está no grupo desde 1992. "Havia muita duplicidade de operações", dizem os dois primos. Outros pontos ganharam destaque no processo de governança. A descentralização total das decisões, que se justificava até os anos 70, com quatro acionistas à frente dos negócios, deu lugar à centralização na holding e à profissionalização. Membros da família subiram da direção das empresas para os conselhos de administração e para o conselho executivo. "A estratégia parte dos líderes de cada unidade de negócio para o topo, que tem o papel de desafiá-los a apresentar projetos de crescimento", diz Carlos. Isso levou o grupo a fazer uma profunda mudança em suas políticas de remuneração de executivos e em processos de promoção interna. Hoje, todos os funcionários são vistos como parte da corporação Votorantim e não de uma ou de outra das empresas. Mas o grande grupo privado nacional é conservador para atravessar fronteiras, embora compute alguns casos de sucesso, como seu desembarque na Flórida, EUA, em plena expansão da economia local. O consumo de cimento no Estado cresceu 14% em 2005. "Ir para países que dão 'downgrade' não é nossa prioridade." Com ceticismo avaliam, por exemplo, a corrida à China: "Lá, tem de investir pesado, de bilhão de dólares para cima para fazer diferença. Não faz para grupos gigantes, mas sim para nós, que ainda somos regionais e temos 95% dos negócios aqui. Crescer por crescer é fácil, mas crescer com retorno e rentabilidade é difícil", diz. A entrada nos EUA já tem resultados. Com geração de caixa em moeda forte, o grupo obteve o selo de grau de investimento de agências de risco no ano passado. Neste ano, foi a vez da controlada VCP. Um dos desafios do grupo está na preparação da nova geração no conselho de família, que busca desenvolver os talentos de cada um e prepará-los para o futuro. "Se um mostrar capacitação, aptidão e vontade para atuar no grupo, haverá espaço. Sem isso, tem de buscar o próprio caminho", afirmam. Para Carlos Ermírio, que acompanha o processo de perto e conheceu ao lados dos primos experiências longevas, na sucessão familiar o que prejudica é fazê-la sem regras. "Criamos um conjunto de regras claras - o familiar acionista só vai entrar se comprovar competência". Já há herdeiro da quarta geração, na faixa dos 27 anos, com negócios próprios. Carlos aponta o caso da família sueca Wallenberg, de 1856: a quinta geração comanda um império de empresas como Electrolux, Ericsson, Scania, Saab e SKF. Na terceira geração dos Ermírio de Moraes, de 23 membros 13 trabalhavam no grupo até a definição de oito para ficar à frente dos negócios. Da nova geração, espera-se a ascensão gradativa de membros ao conselho executivo em um processo misto com a atual safra de herdeiros no comando, dentro de dez anos. Até lá, alguns membros já terão completados a idade limite de 65 anos. "Se 10% tiverem interesse e mostrarem competência, é um bom número para perpetuar o grupo em mãos da família", acredita José Roberto . O que não pode, diz Carlos, é achar que têm direito nato de trabalhar no grupo.