Título: O peso do salário mínimo no gasto social
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2006, Brasil, p. A2

Parece mentira, mas não é: nos últimos doze anos, o salário mínimo, já contabilizado o valor de R$ 350, cresceu 92% em termos reais (acima da inflação). De 1994 para cá, o valor do mínimo teve incremento real de 5,5% ao ano, um percentual bem superior ao do crescimento anual médio da economia brasileira no mesmo período. Nesses doze anos, o rendimento médio real dos trabalhadores das regiões metropolitanas encolheu, segundo dados do IBGE. De uma base 100 em 1994, cresceu 21,2% nos três primeiros anos do Plano Real, mas recuou nos anos seguintes. Em 2003, chegou ao fundo do poço (91,9%), recuperou-se um pouco nos dois anos seguintes, atingindo 94,21% do que era no ano de lançamento do real. A expansão do mínimo teve forte impacto nas contas da Previdência Social. Em 1994, o governo gastou o equivalente a 4,9% do PIB com o pagamento de benefícios do INSS. Em 2006, a conta deve chegar a 7,9% do PIB. Em números absolutos, isso representa hoje algo em torno de R$ 57 bilhões. O economista Fábio Giambiagi, do IPEA, calculou qual teria sido o impacto do salário mínimo nas contas do INSS, caso os últimos três governos tivessem reajustado o seu valor de acordo com a inflação. A despesa, claro, teria crescido, mas num ritmo bem menor. A diferença equivale a mais ou menos a arrecadação anual da famigerada CPMF - 1,7% do PIB. O déficit previdenciário é, de longe, o mais grave problema fiscal brasileiro. As despesas crescem numa velocidade muito maior do que as receitas. No ano passado, a diferença chegou a R$ 37,5 bilhões e, de acordo com a estimativa oficial, pode ir a R$ 50 bilhões em 2006. Isso não impediu que o presidente da República, num arroubo populista, concedesse este ano aumento real de quase 12% ao salário mínimo.

SM cresceu bem acima da renda média

O aumento do mínimo beneficia, principalmente, cerca de 18 milhões de aposentados do INSS que recebem o piso. Os economistas Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho e Samuel Franco, colegas de IPEA de Giambiagi e citados por ele em estudo recente, estimam em 4% o efeito do aumento do valor real das aposentadorias e pensões atreladas ao salário mínimo no total da redução da desigualdade na primeira década deste século. O fato é que, se por um lado um mínimo maior diminui a desigualdade de renda, por outro, dada a sua forte contribuição para o déficit público, obriga o governo a arrecadar e a se endividar mais, contribuindo, assim, para asfixiar o setor privado, que passa a ter menos recursos para investir. O resultado é menos crescimento. Como diz um economista que prefere não se identificar: "É simples: o paciente melhora momentaneamente tomando um remédio que poderá matá-lo no longo prazo". "Não estamos aqui defendendo que o aumento do salário mínimo (nos últimos doze anos) tenha sido um fato negativo, uma vez que não ignoramos as motivações que tal política teve. O importante, porém, é frisar que isso tem um custo. Se o número de aposentados e pensionistas cresce em torno de 4% ao ano, como nas últimas duas décadas, e a economia se expande a essa velocidade, aumentos reais do mínimo irão, por definição, gerar novas elevações na relação INSS/PIB. É importante colocar algum tipo de limite a esse processo", defende Giambiagi. O economista argumenta que, em geral, não se faz no Brasil uma avaliação adequada das despesas sociais, das quais os gastos com aposentadorias são o maior item. A concentração no grupo da terceira idade, explica Giambiagi, limita a adoção de políticas que poderiam responder a três dos maiores desafios que ele vê na ação do Estado brasileiro. São eles: a redução da pobreza extrema e da elevada desigualdade; o ataque ao problema da violência e da insegurança nas grandes cidades; e a ampliação do potencial de crescimento do PIB. "A hipótese de o PIB nos próximos 20 anos crescer entre 4% e 5% e não entre 2% e 3% como tem crescido, na média, desde 1980, dependerá de como o país vai lidar com o investimento no capital humano da infância e da juventude, e não da remuneração real dos atuais idosos", diz Giambiagi. O desafio para o próximo governo é politicamente delicado. Seja qual for o ganhador da eleição de outubro, ele terá que enfrentar o problema, tendo que anunciar à nação, em algum momento, que cortará gastos sociais. É inevitável. "Ou o gasto social, expresso como proporção do PIB, é preservado - e nesse caso será difícil obter uma redução importante do total - ou se ataca o problema do gasto público como um todo - e então será inevitável que isso afete também o gasto social", conclui Giambiagi.