Título: Prefeito de Buenos Aires cai por incêndio em discoteca
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2006, Internacional, p. A10

Argentina Tragédia teve 194 mortos; Prefeitura foi acusada de omissão

Aníbal Ibarra foi destituído ontem do cargo de prefeito de Buenos Aires, após ser considerado em julgamento co-responsável pela morte de 194 pessoas no incêndio de uma discoteca, ocorrido em dezembro de 2004. A decisão foi tomada por 10 votos a 4, com uma abstenção, por um tribunal formado por vereadores da capital argentina. Os votos a favor do impeachment atingiram exatamente os dois terços exigidos pela Constituição portenha, mas em uma segunda votação não foi obtida a maioria necessária para cassar os direitos políticos do ex-prefeito, o que significa que ele fica livre para concorrer a cargos eletivos. Seu mandato, que terminaria em dezembro do ano que vem, será concluído por Jorge Telerman, vice que havia assumido o cargo havia quatro meses, quando começou o processo político contra o agora ex-prefeito. Depois de mostrar-se abatido durante a votação no plenário do legislativo municipal, Ibarra anunciou que recorrerá à Justiça comum para tentar voltar ao cargo. Ele atribuiu sua queda a "um golpe institucional" que teria sido orquestrado por setores da direita, que tem como principal referência o presidente do clube de futebol Boca Juniors, Mauricio Macri. "Em cima de uma tragédia não pode haver lugar para o oportunismo político que houve ao longo deste processo", disse o ex-prefeito. Os votos a favor de seu impeachment não vieram apenas de vereadores ligados a Macri, mas também da esquerda e de aliados do governo do presidente Néstor Kirchner, mesmo após o chefe de Estado ter se pronunciado contra a condenação de Ibarra. O ex-prefeito venceu Macri no segundo turno da eleição para a prefeitura em 2003, com o apoio do governo federal, obtendo um segundo mandato à frente do distrito mais próspero do país e que possui o terceiro maior Orçamento, depois do governo nacional e da província de Buenos Aires. Sua adesão ao grupo político de Kirchner foi importante para aproximar o eleitorado portenho do presidente. A população da capital não vota tradicionalmente no peronismo, e a aliança com Ibarra foi um dos elementos usados por Kirchner para obter apoio e superar sua debilidade política (ele tinha sido eleito com sós 22% dos votos). A pressão dos familiares das vítimas acabou tendo um peso maior sobre os legisladores do que a tentativa do governo de salvar Ibarra para impedir uma vitória política de Macri. Os parentes dos mortos, que comemoraram nas ruas a decisão do tribunal, foram acusados ontem de ameaçar vereadores que votassem a favor da permanência de Ibarra. Para o analista político Hugo Haime, o resultado não pode ser interpretado como uma derrota para o governo, já que, apesar do apoio de Kirchner a Ibarra, não houve grande empenho político das autoridades federais - um legislador kirchnerista votou pela destituição e outro se absteve. "Ibarra não teve apoio pleno do governo, e é um homem que não tem partido politico", disse Haime. O ex-prefeito integra a Frente Grande, um partido de centro-esquerda que participava da coalizão do ex-presidente Fernando de la Rúa e que praticamente desapareceu com sua renúncia, em dezembro de 2001. Haime também diz que Macri poderá colher dividendos políticos limitados do caso, já que as pesquisas indicam que a população repudia o uso político dos incidentes ocorridos na discoteca República Cromañon. O local pegou fogo depois que um dos espectadores de um show de rock soltou um rojão em seu interior. A casa funcionava irregularmente e, no momento do incêndio, havia em seu interior quase 4 mil pessoas, o dobro da capacidade do local. O prefeito foi acusado de omissão por falta de fiscalização. Uma pesquisa da consultoria de Haime indica que 65% dos portenhos eram contra a destituição. O analista lembra que "isso não significa que as pessoas vão sair às ruas para defender Ibarra", mas o ex-prefeito deve usar esse "apoio" para tentar voltar à vida pública.