Título: 'Estilo Bachelet' inova e já chama a atenção no Chile
Autor: Rodrigo Uchôa
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2006, Iinternacional, p. A10

Michelle Bachelet, 54, vem dando sinais de como será seu estilo de governo no Chile, antes mesmo de tomar posse no sábado. Em fevereiro, anunciou a formação de seu gabinete ministerial dividindo por igual os cargos entre homens e mulheres. Depois, nomeou para cada um deles um subsecretário, número dois na hierarquia ministerial, de um partido diferente do partido do ministro. E, surpreendentemente, nada vazou antes. Bachelet conseguiu conservar em segredo suas decisões até a hora da divulgação oficial. Assim, deixou claro "quem é que manda", segundo analistas. Para alguns, ela se mostra centralizadora e mandona; para outros, ela simplesmente está exercendo os poderes presidenciais que lhe foram conferidos e está mostrando a que veio. "O sistema presidencialista do Chile é quase 'monarquizante', ela apenas vem exercendo o poder suprapartidário conferido pelo sistema, não deixando dúvidas sobre sua capacidade de tomar decisões", afirma Alfredo Joignant, do departamento de ciência política da Universidade do Chile. Bachelet formou um grupo ministerial tido como de "fidelidade canina", disposto a deixar para ela a "linha de frente" das ações governamentais. O perfil de seu antecessor, Ricardo Lagos, era igualmente pessoal e forte, mas delegava responsabilidades a ministros mais próximos, como Alvaro Garcia, que teve papel importante na relação do governo com os partidos políticos. Por ser filha de um general da Força Aérea, há suposições de que esse estilo advém de sua convivência familiar. Outros acham que Bachelet se inspira na figura de um CEO, trazendo para o governo um "ambiente corporativo". Ontem, a presidente eleita, seu ministério e principais assessores terminaram um seminário num resort chileno. Foram dois dias de dinâmicas de grupo, palestras de motivação e rodas de discussão, com uma festa de encerramento. O evento foi organizado por Julio Ollala, presidente da Newfield Network, empresa especializada em encontros empresariais. A consultoria tem como lema criar "lideranças mais orientadoras e menos autoritárias". Mas a "empresa Chile" que a CEO Bachelet vai presidir tem particularidades que se chocam com o perfil da mulher. Certa vez, ela disse: "Eu sou uma mulher, divorciada, socialista, agnóstica. Todos os pecados juntos". Quanto a ser mulher, aparentemente ela já superou o machismo chileno, afinal, foi eleita com 56% dos votos. Quanto a ser divorciada - num país que só aprovou o divórcio no fim de 2004 -, a presidente vem defendendo com unhas e dentes a inviolabilidade de sua vida pessoal, o que fez com que seu estado civil deixasse de ser tema de discussões. Quanto a ser socialista, filha de um militar torturado por discordar do golpe do general Augusto Pinochet, de 1973, nem mesmo aos mais militares mais conservadores isso assusta. Afinal, ela foi ministra da Defesa do governo do socialista Ricardo Lagos. Parece que ela agora tenta resolver a querela com a Igreja Católica, muito influente no país. Apesar de durante a campanha ela ter se vangloriado de ser a autora da distribuição da pílula do dia seguinte para vítimas de estupro, quando era ministra da saúde, hoje ela se declara contrária ao aborto, inclusive o terapêutico, a ao casamento homossexual, segundo o cardeal Francisco Javier Errázuriz. Ontem o papa Bento XVI se disse satisfeito com isso.