Título: BC e mercado ignoram pressões
Autor: Alex Ribeiro e Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2006, Finanças, p. C1

Juros Questionamento da política monetária mostra efeito nulo sobre Copom e taxas

As pressões políticas vindas do próprio governo para o Banco Central reduzir os juros estão tendo efeitos cada vez menores sobre o mercado financeiro e não há evidências de que sejam responsáveis pela dispersão de votos nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). A falta de consenso é natural, ocorre em outros bancos centrais e é sinal mais de dúvidas do que propriamente de dissensão. Nos dois episódios mais recentes de pressões, ocorridos neste mês e em janeiro passado, a curva de juros futuros praticamente ignorou as informações de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reivindica um corte mais profundo na Selic. O Valor reuniu 31 episódios em que a atuação do BC foi questionada por integrantes do governo e checou quais foram as repercussões no mercado de juros e nas decisões da própria autoridade monetária. A principal conclusão do levantamento é que, até o início de 2005, o mercado ainda reagia a esse tipo de ruído político, mas hoje essas informações tem efeito desprezível. Em janeiro passado, foram veiculadas informações de que o presidente Lula havia dito a empresários e políticos que o BC iria reduzir os juros em um ponto percentual. Embora o apregoado corte superasse o consenso dos analistas econômicos, que previam uma redução máxima de 0,75 ponto, os juros futuros ficaram praticamente estáveis: o "swap" de 360 dias registrou uma queda de apenas 0,03 ponto. Desde o início do governo Lula, a política monetária vem sendo bombardeada de duas formas. O vice-presidente José Alencar adotou o estilo de expressar diretamente o seu descontentamento. No princípio, suas declarações fizeram os juros futuros subirem, mas a partir do segundo semestre de 2003 não tiveram mais repercussão. A política do BC também é bombardeada por eventuais reportagens de bastidores que descrevem o descontentamento de Lula. Esses ataques tiveram efeitos relevantes sobre os juros futuros, principalmente no aperto monetário entre 2004 e 2005. Dezembro de 2004 foi um mês particularmente crítico. A curva de juros futuros recuou com a notícia de que, em conversa com senadores, o presidente Lula havia dito que os juros cairiam em março do ano seguinte, já que o BC estaria perseguindo uma meta de inflação mais frouxa, de 5,3%, em vez dos 5,1% oficialmente definidos como alvo. Preocupado com o recuo dos juros futuros, o BC divulgou, na ocasião, um comunicado negando que estivesse mirando uma inflação mais elevada. Ainda em dezembro de 2004 surgiram notícias de que três diretores do BC estavam demissionários, por não suportarem mais a pressão política para baixar juros; e de que Lula havia determinado que o BC defendesse um piso de R$ 2,70 para a cotação do dólar. Nessas ocasiões, o ruído político aumentou o custo da política monetária, exigindo do BC uma dose mais forte de rigor monetário para obter o mesmo resultado no combate à inflação. "É provável que as pressões realmente existiram", diz Caio Megale, da Mauá Investimentos. "Mas o BC tomou decisões cada vez mais conservadoras, ampliando sua credibilidade. Hoje é consenso que o BC não irá se dobrar a esse tipo de pressão." Se a virada de 2004 para 2005 foi o momento de maior pressão, também foi quando o BC reafirmou sua credibilidade, após subir os juros por nove meses seguidos. "Pressões políticas podem ocorrer em qualquer regime democrático do mundo, ainda mais em anos de eleição", diz Alexandre Póvoa, da Modal Asset Management. "Mas quebrou-se um mito quando, num governo do PT, o BC promoveu um longo aperto de juros." Logo ao iniciar o governo, em 2003, o Copom elevou os juros e decidiu, durante todo aquele ano, por consenso. Já em 2004 e 2005, ocorreram cinco votações com placares distintos, o que é mais comum quando se inicia o processo de redução da taxa de juros, quando são grandes as incertezas sobre a trajetória de queda da inflação e sobre o nível de atividade. Dispersões podem ocorrer ainda nos momentos em que há dúvidas sobre os efeitos das decisões do BC sobre a curva da taxa de juros, quando há incertezas sobre o comportamento da taxa de câmbio ou quando os membros do Copom sentem algum desconforto com a área fiscal. O fato de no terceiro mês do ano o Congresso ainda não ter aprovado o orçamento da União e a constatação de que este é objeto de um "buraco" superior a R$ 18 bilhões, pode ser motivo de alguma preocupação da autoridade monetária, ainda mais num ano de sucessão presidencial. A ausência de consenso esteve presente também em quatro reuniões no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando começou-se a abrir os placares, e é comum em outros bancos centrais que atuam sob o regime de metas para a inflação, sobretudo no Banco da Inglaterra, que publica, inclusive, os mapas de votação dos membros do comitê. A falta de uma descrição clara nas atas sobre o que realmente divide o Copom alimenta especulações sobre possíveis ingerências políticas nas suas decisões. Mas não há indicações de que, em existindo, essas pressões tenham influenciado o comitê.