Título: Reforma do PIS-Cofins elevou preços e teve efeito contracionista
Autor: Raquel Landim e Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2006, Brasil, p. A3

Tributação Estudo da FGV encontrou mais aspectos negativos que positivos nas mudanças feitas desde 2003

A reforma do PIS/Cofins, promovida pelo governo Lula, trouxe uma série de efeitos adversos para a economia brasileira. As mudanças nessa tributação - fim da cumulatividade do imposto e início da cobrança nas importações - reduziram o crescimento da economia, geraram demissões e provocaram mais inflação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas, financiado pelo GV Pesquisa e obtido pelo Valor, calcula que a reforma do PIS/Cofins foi responsável por uma queda de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), uma retração de 1,7% do emprego e uma alta de 2,3% nos preços. Os autores do estudo - Samir Cury, professor da FGV, e Allexandro Mori Coelho, consultor técnico da instituição - calcularam apenas os efeitos da reforma. Para isso, isolaram outros fenômenos como o choque de preços das commodities, que puxaram as exportações, ou o Bolsa Família, que favoreceu a população de baixa renda. As mudanças no PIS/Cofins prejudicaram o PIB porque tiveram como efeito uma queda de 1,5% no consumo e uma perda de 2,5% nas exportações. Essas quedas decorreram da elevação de preços e do aumento do desemprego provocado pelo corte de custos das empresas. Os impactos negativos da reforma do PIS/Cofins foram mais fortes que o aumento de 0,9% no investimento, provocado pela alta de 1,3% no faturamento do setor público. Como efeito da incidência dos impostos, as importações tiveram uma perda de 2,5%. Idealizada como base de uma reforma tributária ampla, a mudança na cobrança do PIS/Cofins começou em 2003. O governo elevou a alíquota do PIS de 0,65% para 1,65% e mudou a base de cálculo. Ao invés do faturamento bruto da empresa, passou a utilizar o valor adicionado para evitar a cobrança em cascata. Em 2004, foi a vez da Cofins, que subiu de 3% para 7,6% e também passou a ser tributada sobre o valor adicionado. Em maio do mesmo ano, o governo começou a cobrar os 9,25% do PIS e da Cofins nas importações, em busca de isonomia entre o produto nacional e o importado. Vários setores ficaram de fora do sistema que acaba com a cumulatividade: empresas que escolheram utilizar o lucro presumido, empresas da Zona Franca de Manaus, instituições financeiras, setores que recolhem em uma fase do processo (monofásico), exportadoras, seguradoras de saúde, transportes de valores, cooperativas, serviços de telecomunicações, mídia, hospitais, educação. A lista é longa. O grande número de exceções amenizou os impactos da reforma do PIS/Cofins sobre os preços. Analisando apenas o fim da cumulatividade, o resultado seria deflação de 0,2 pontos. Só que com o PIS/Cofins na importação, a inflação ganhou 2,3 pontos de alta. Cury explica que, ao tributar as importações, houve aumento não só nos preços dos bens vindos de fora, mas também nos domésticos. Aço, plástico e outros insumos tem cotações internacionais. Com o importado chegando mais caro, os produtores nacionais sobem o preço e sua alta afeta toda a cadeia produtiva. O professor argumenta que a compensação do tributo prevista na reforma só acontece na medida em que se agrega valor, o que não impede a alta de preços. "Deram um tiro no próprio pé. Foi uma grande mudança de preços relativos na economia", diz Cury. O estudo demonstra que parte da inflação de 7,6% de 2004 foi provocada pela reforma do PIS/Cofins. Por isso, para os autores, a mudança tributária é parcialmente responsável pela alta de juros. Ao cobrar PIS/Cofins na importação, o governo promoveu um forte aumento na proteção da indústria nacional - porque já havia um equilíbrio de preços na economia, segundo os autores. "É um dos motivos pelos quais as compras externas não decolam, apesar do dólar", afirma Coelho. Na arrecadação, a reforma teve o impacto de uma alta de 150% nas tarifas de importação. Em 2004, o governo arrecadou R$ 9,2 bilhões com imposto de importação, enquanto o PIS/Cofins cobrado na importação rendeu R$ 13,9 bilhões. Ao perceber o aumento da proteção efetiva do setor industrial e preocupado com os efeitos na inflação e na produtividade das empresas, o Ministério da Fazenda está defendendo corte das tarifas de importação. Colocou na mesa em 2005 uma ousada proposta de redução das taxas na Rodada Doha, rejeitada por outros setores do governo. Mas está conseguindo promover, neste ano, alguns cortes em tarifas de setores oligopolizados. Ao tributar as importações, o governo também pode ter dificultado a entrada de dólares no país, contribuindo para a valorização do real, o que afeta exportações. Outro efeito negativo para a competitividade externa foi a necessidade de reajustar preços de exportação para compensar o custo dos insumos. Nas exportações, os efeitos negativos da mudança na tributação, contudo, foram amplamente compensados pela alta do preço das commodities e pelo crescimento da economia mundial. A reforma também teve impactos macroeconômicos positivos, mas que não compensaram os negativos, segundo a FGV. Ao aumentar a arrecadação pública em 1,25%, as mudanças tributárias do PIS/Cofins reduziram o déficit nominal do setor público em 21,1%. E contribuíram para alta do investimento em 0,9%, sempre considerando efeitos isolados da reforma. A maior parte desse ganho para o setor público ocorre por conta da incidência de PIS/Cofins na importação. O estudo aponta que o fim da cumulatividade gerou um pequeno aumento de arrecadação. Com a reforma interna, a arrecadação de PIS/Cofins subiu de R$ 74 bilhões para R$ 77 bilhões, alta R$ 3 bilhões. O valor arrecadado salta para R$ 89,6 bilhões ao considerar o PIS/Cofins na importação. O estudo utilizou referência para o cálculo o ano de 2003 - últimas informações detalhadas disponíveis das contas nacionais. Os dados de arrecadação são de 2004 e foram deflacionados para serem comparados com os de 2003.