Título: BC eleva exposição da dívida à Selic enquanto o Tesouro busca redução
Autor: Claudia Safatle e Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2006, Finanças, p. C2

A despeito de o Banco Central ter interrompido a venda de ontem e hoje de contratos de "swaps" reversos - em que assume posição passiva em juros e ativa em câmbio - e de não estar claro se essa é uma decisão episódica ou duradoura, um fato é certo: a continuidade dessas operações e o que foi feito até agora representa uma descoordenação entre o Banco Central e a Secretaria do Tesouro Nacional. As duas autarquias fizeram, até aqui, operações em direções distintas: de um lado, o Tesouro procura não renovar a dívida vinculada à taxa Selic, e, de outro, o BC emite "swaps" que ampliam a exposição a esse indicador. Outro problema é de descasamento: os vencimentos dos swaps reversos leiloados pelo BC não coincidem com os vencimentos de instrumentos cambiais emitidos anteriormente, sejam títulos públicos ou swaps cambiais tradicionais. O Tesouro, corretamente, busca a redução da participação dos papéis pós-fixados indexados à taxa Selic no total da dívida mobiliária, leiloando títulos prefixados e vinculados a índices de preços. Já o BC começou a vender esses swaps no início do ano passado, suspendeu em meados do ano porque o mercado ficou volátil e voltou a atuar no fim de 2005. Por esse contrato, o BC recebe a variação da taxa de câmbio e paga a taxa Selic acumulada até o prazo de vencimento do papel. Em janeiro, enquanto a dívida indexada à Selic desconsiderando os swaps representava 49,5% do endividamento total, com esses contratos, ela subia para 52,6%. Pode-se argumentar que essa troca de fluxos de caixa não necessariamente altera o tamanho da dívida, mas afeta a exposição ao risco e mostra que o trabalho de um é neutralizado pela prática do outro, sendo que ambos são órgãos do governo e acham a Selic um indexador perverso. Embora o discurso oficial do BC seja de que suas operações visam reduzir a vulnerabilidade da economia às oscilações do câmbio, o principal objetivo dessas transações é tentar evitar uma maior depreciação do dólar, pois enxugam o excesso de dólares no mercado futuro, que vem provocando a apreciação do real no mercado à vista. Essa, portanto, parece ser a lógica da atuação do BC, vista como uma ação tática pelo mercado, e não estratégia, até porque essa prática tem limites. Uma alternativa, se a operação com swaps reversos se mostra inevitável, seria tomar todas as operações passivas do Tesouro e casá-las dia-a-dia. Ou seja, o BC ofereceria ao mercado contratos de swap reverso com vencimento no mesmo dia em que expiram os instrumentos cambiais em que o governo assume posição passiva em dólar. Hoje, essas são descasadas e ficam ao sabor do que vai acontecer com a taxa de câmbio. O cronograma de vencimentos do conjunto dos instrumentos cambiais em poder do público, conforme tabela conjunta do Tesouro Nacional/BC, mostra claramente esse descasamento. No dia 15 de março, por exemplo, o Banco Central assume posição vendida de US$ 16 milhões, no encontro de contas entre os títulos federais e os swaps cambiais. Já no dia 20 de março, ele estará comprado em US$ 77 milhões. No dia 2 de maio, estará vendido em US$ 920 milhões, e no dia 16 do mesmo mês, comprado em US$ 82 milhões, num cronograma que vai até janeiro de 2009. Se houvesse essa coincidência de datas, segundo fontes do mercado, a situação ficaria muito mais transparente e espelharia com clareza uma legítima intenção do BC de tornar a dívida menos vulnerável à oscilação do dólar. Qualquer variação de 1% na taxa de câmbio, dada a dimensão dos números, é relevante. Na gestão do ex-presidente Armínio Fraga, quando a taxa de câmbio estava chegando perto de R$ 4 e apontando para uma trajetória ascendente, o BC usou o swap tradicional e, como o câmbio retornou para uma cotação mais razoável, o BC acabou contabilizando um bom lucro. Mas, além disso, há uma outra discussão que emergiria num eventual debate sobre esse assunto: é função do Estado ter lucro ou prejuízo em operações de financiamento de dívida pública, numa ação típica de tesourarias de bancos, ou cabe ao Tesouro Nacional e ao BC tarefas mais nobres, como reduzir o risco da dívida?