Título: Enfim, um freio na especulação
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 22/05/2010, Economia, p. 16

CRISE GLOBAL

Governo norte-americano aprova pacote para conter a ação dos bancos. Brasil já segue muitas das medidas

A imposição de regras duras para os bancos dos Estados Unidos, depois de essas instituições terem empurrado o mundo para a mais grave crise em quase 80 anos com a quebra do Lehman Brothers, veio tarde, mas está sendo saboreada como uma grande vitória pelo presidente norte-americano, Barack Obama. Depois de enfrentar um grande lobby contrário à farra do sistema, encabeçado pelos republicanos, ele conseguiu o respaldo no Congresso para fazer a maior reforma desde 1930 em Wall Street. Curiosamente, boa parte das medidas aprovadas se aproxima das que estão em vigor no Brasil.

Especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que o controle maior sobre os bancos e os limites às operações de maior risco, como os contratos de derivativos (aposta em preços futuros) remetem a uma preocupação antiga do Banco Central brasileiro, de botar um freio à sanha de investidores em apostar alto com o dinheiro alheio. ¿De uma maneira geral, o pacote aprovado pelo Senado (dos EUA) vem no sentido de engessar o sistema financeiro deles, que pregava a autorregulação. As regras, de certa forma, já são praticadas no Brasil há algum tempo. Até porque, aqui, se deixar rolar sem muito controle, o banqueiro quebra o sistema¿, disse o economista João Augusto Salles, da Consultoria Lopes Filho.

O projeto de Obama tornará mais transparente o mercado bancário dos EUA ¿ socorrido pelo governo com mais de US$ 700 bilhões depois do estouro da bolha imobiliária em 2008 ¿ e, ao mesmo tempo, resguardará os direitos dos consumidores. Entre as propostas aprovadas no Congresso está a que cria uma espécie de Procon do sistema financeiro. O órgão deverá ficar sob responsabilidade do Federal Reserve (o BC dos EUA), e se, nada mudar no meio do caminho, ficará responsável por enquadrar bancos e seguradoras indisciplinadas. O objetivo é limitar, principalmente, os abusos cometidos pelas empresas de cartões de crédito ¿ nas quais estão pendurados milhões de norte-americanos ¿ e pelas companhias de seguros. Também se aperfeiçoará o controle das garantias de depósitos de correntistas e poupadores.

No Brasil, esse tipo de problema, ainda que persistente no cotidiano nacional, já conta com legislação própria. A exceção é o mercado de cartões de crédito, que deve começar a ser fiscalizado pelo BC por pressão do Ministério da Justiça, que não aceitou a proposta de autorregulação defendida pelas operadoras. ¿O fato é que, tanto nos EUA quanto no Brasil, a imposição de limites ao sistema financeiro encontra resistências. Mas o que se percebe é que, no longo prazo, a regulação não atrapalha. Basta ver os lucros crescentes das instituições financeiras brasileiras¿, afirmou, de Nova York, José Luiz Rodrigues, sócio-diretor da consultoria JL Rodrigues.

Sem descanso Apesar do sentimento de vitória, Obama ainda não poderá dormir por completo. Parlamentares governistas e da oposição terão de trabalhar juntos na redação final do texto que será enviado para análise de Obama. O documento deve conter as emendas aprovadas na Câmara e no Senado. Só então o presidente norte-americano poderá sancionar o projeto. A ideia é de que a redação final esteja pronta até 4 de julho, dia da independência dos EUA.

¿No ano passado, a indústria financeira tentou repetidamente interromper essa reforma com hordas de lobistas e milhões de dólares em propaganda, e, quando eles não puderam matá-la, tentaram amenizá-la. Hoje, acho que é justo dizer que esses esforços falharam¿, disse Obama, ao comentar sua a vitória Na entrevista, o homem mais poderoso do mundo dividiu a cena com um rato.

Para o estrategista-chefe do banco WesLB, Roberto Padovani, a aprovação do projeto pode trazer tranquilidade para o mundo financeiro. ¿A estratégia de médio prazo é boa, porque, no fundo, você está evitando ajustes dramáticos em épocas de crises. Talvez isso, no curto prazo, ajude a recuperar a confiança no sistema financeiro como um todo¿, disse.

A maior reforma desde 1930

Senado dos EUA aprova pacote que reduz excessos no mercado financeiro e dá poder ao Estado de intervir em operações de risco, como as que resultaram na crise de 2008

Pente-fino nas operações arriscadas » Vão ser fiscalizados com rigor os mercados hipotecário, de cartões de crédito e de financeiras, e os bancos que fazem operações arriscadas. O representante norte-americano no Fundo Monetário Internacional (FMI) só aprovará empréstimos a países endividados desde que esses tenham condições de pagar pelo financiamento

Menos poder para banqueiros » O projeto também amplia o poder de acionistas em nomeação de diretores, torna mais rígidas as operações de derivativos (apostas em preços futuros) e impõe limites às instituições financeiras que aplicam seu capital social em negociações especulativas

Consumidor terá órgão de defesa » Pelo texto aprovado no Senado norte-americano, o Federal Reserve (o BC dos EUA) deve criar um departamento de proteção ao consumidor, que vai fiscalizar as operações feitas por instituições que possam colocar em risco a saúde financeira da população. O objetivo principal é impedir uma alta do endividamento como ocorreu em 2007, quando estourou a crise das hipotecas

Empresas endividadas podem ser vendidas » Uma das medidas mais controversas aprovadas pelos congressistas diz respeito ao desmantelamento de empresas endividadas, a fim de reduzir riscos sistêmicos (quebradeira geral). Pelo projeto, o governo poderá confiscar uma companhia desestruturada, reparti-la e vendê-la para pagar suas dívidas. A ideia é evitar que uma empresa mal gerida produza um efeito cascata em todo o mercado, como ocorreu com a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008

Agências de risco serão reguladas » O Senado também quer que as instituições financeiras que precificam o mercado e as agências de classificação de risco, entre as quais Moody"s, Standard & Poor"s e Fitch Ratings, respondam a uma agência reguladora estatal. Outra medida propõe a criação de um conselho de reguladores, que encabeçaria a atuação das demais agências reguladoras norte-americanas de modo que as operações sejam coordenadas mais facilmente pelo Estado. O órgão teria dez membros, sendo presidido pelo secretário do Tesouro dos EUA

Fontes: Reuters, Dow Jones e Bloomberg