Título: Dívida em Selic cai para 45% em março
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2006, Brasil, p. A2

Em apenas três meses - janeiro a março - o Tesouro Nacional conseguiu reduzir a participação da dívida pública mobiliária indexada à taxa Selic em quase 7 pontos percentuais. A dívida atrelada aos juros em dezembro representava 51,8% do estoque total. Caiu para 49,48% (sem os 'swaps' do Banco Central) em janeiro, para cerca de 47% em fevereiro e já está praticamente garantida sua redução para a casa dos 45% neste mês. Em fevereiro, não houve colocação de LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) e, em março, ocorreu resgate líquido desses papéis. Isso ainda não significa, porém, que o governo não mais ofertará esses títulos , já que no próximo trimestre os vencimentos de papéis pós-fixados serão pesados e o mercado poderá demandar uma certa dose desses papéis. Se os bons ventos continuarem, a perspectiva do Tesouro Nacional é chegar ao fim deste ano com uma substancial mudança na composição da dívida pública: menos de 40% em títulos selicados, cerca de 1% de títulos atrelados à variação da taxa de câmbio e o restante em pré-fixados e indexados a índice de preços. Feito que, se confirmado, significará uma melhora notável na questão da vulnerabilidade e da volatilidade da dívida pública, uma importante redução do seu risco de mercado e o afastamento definitivo, portanto, do fantasma da insolvência (interna e externa) que a dinâmica da dívida no passado recente chegou a criar. Junte-se a isso o fato de que, com menos títulos atrelados à Selic, o poder de força da política monetária muda de patamar. Com menores variações da taxa de juros básica, a política monetária terá maior potência para conter a inflação. Simultaneamente a esse desempenho, o Tesouro Nacional tem conseguido fazer vendas expressivas de NTNB (indexada ao IPCA mais um cupom) de longo prazo. Em fevereiro fez colocações, em leilão, de R$ 780 milhões com vencimento em 2015; R$ 1,25 bilhão para 2024 e R$ 1,9 bilhão para 2045. E realizou trocas de títulos por NTNB no valor de R$ 2 bilhões com vencimento em 2015; R$ 1,3 bilhão em 2024 e R$ 2,6 bilhões em 2045. Com venda total, portanto, de R$ 10,1 bilhões. Isso significa que está se criando parâmetros mais sólidos de referência de taxa de juros de longo prazo, de mercado, que um dia poderá vir a substituir ou a balizar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), instituída logo após a edição do plano Real exatamente porque não havia uma referência para financiamentos de investimentos de prazos mais longos. Ainda está distante, contudo, o grande sonho do administrador da dívida pública brasileira, que é abolir com os títulos pós-fixados. O que só será possível, na avaliação dos especialistas, quando a participação dos papéis em Selic for de apenas 20% a 25% do estoque da dívida.

Pressão por gasto no trimestre é forte

Se, no que se refere ao endividamento público, a parte externa já não é vista mais como problema e a interna está sendo bem encaminhada, o mesmo não se pode dizer da política fiscal em seu sentido amplo. Há apreensão na área econômica em relação às enormes pressões por gasto neste ano. Na programação interna do governo, a meta de superávit primário para o primeiro trimestre é de R$ 21 bilhões, numa média de R$ 7 bilhões ao mês. Em janeiro, porém, só foi possível produzir superávit de R$ 4,27 bilhões, quase metade dos R$ 8,4 bilhões de saldo gerado em janeiro de 2005. Não cumprir a meta num mês não caracteriza qualquer descontrole, mas é evidência de que a demanda por aumento do gasto público será, neste ano eleitoral, mais aguda do que nos anos anteriores, ao mesmo tempo em que as condições objetivas para o controle da despesa vão se reduzindo com o aumento dos gastos obrigatórios. O Tesouro divulgou, nesta semana, uma prestação de contas do gasto público em 2005, centrando suas preocupações nos efeitos multiplicadores que o aumento do salário mínimo produziram nos pagamentos dos benefícios sociais. Boa parte do gasto é feito sob a forma de transferências a pessoas - pagamento de benefícios previdenciários, assistência social, abono salarial, seguro desemprego - e muito pouco em investimentos. Estas transferências tiveram acréscimo de 16,7% nominais e de 6,5% reais, movidas basicamente pelo aumento real do salário mínimo em 2005. Este ano, o problema se repetirá, a partir do reajuste do salário mínimo a partir de abril, que passará para R$ 350. O que o documento procura mostrar é que embora pesadíssima, a despesa com o pagamento de juros está estável (em torno de 8% do PIB) com tendência de queda, os gastos com transferências a pessoas foram de 8,62% do PIB no ano passado com tendência de elevação ano a ano, enquanto que os investimentos representam somente 0,6% do PIB. Embora não esteja explícito, o que o Tesouro pretendeu, com essa nota, foi chamar a atenção para a necessária discussão sobre a vinculação entre o salário mínimo, previdência social e demais benefícios assistenciais. Na medida em que questões mais agudas - como o tamanho, prazos e a vulnerabilidade da dívida pública aos juros e câmbio - vão sendo gradualmente equacionadas, abre-se espaço para o governo se mover em outras áreas, sem dúvida sensíveis e polêmicas, mas que se tornam cada dia mais urgentes. A principal delas, o gasto público e suas mazelas.