Título: Rumo aos R$ 2?
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2006, EU &, p. D1

Apesar da alta recente, analistas avaliam que dólar não vai longe e pode ser opção perigosa para o investidor menos especializado

Para quem viu a valorização do dólar nos últimos dias e se animou, acreditando que, enfim, a moeda pode ser um bom investimento, é melhor pensar em uma alternativa. Quem aplicar na moeda americana neste momento - em fundos cambiais, por exemplo - tem muito mais chances de perdas do que de ver seu dinheiro engordar. Para os economistas ouvidos pelo Valor, o dólar deve continuar se desvalorizando e pode cair abaixo dos R$ 2 ainda neste semestre. Mas, mesmo sem saber, muita gente está enchendo os bolsos com a baixa do dólar, já que uma parte dos fundos multimercados tem grandes posições vendidas (sem ter o ativo) na moeda americana, apostando na continuidade dessa queda. Motivos para a desvalorização do dólar prosseguir não faltam. E o principal deles é que, apesar das projeções serem de um saldo menor que o do ano passado, a balança comercial brasileira continua altamente superavitária e pode fechar o ano com um saldo próximo dos US$ 40 bilhões, segundo os economistas, resultado de um volume significativo de exportações. Depois de três dias seguidos em alta, a moeda fechou ontem a R$ 2,16, com queda de 1,14%. No mês, acumula uma alta de 1,08%, mas no ano ainda tem uma queda de 7,05%. Essa tendência de baixa levou junto os fundos cambiais, que só em 2006 estão perdendo 7,72% até 24 de fevereiro, segundo dados do site Fortuna. Nesse mesmo intervalo, o CDI avançou 2,71% e o Ibovespa 16,95%. Depois de um longo período apenas caindo, o dólar voltou a se recuperar nesta semana. Desde o dia 6, quando passou a ser valorizar, a moeda já subiu 2,27%. Para os analistas, não há, entretanto, motivo para preocupações. Eles estão seguros de que este é um movimento passageiro e o argumento é que simplesmente não existem fundamentos que sustentem uma mudança de tendência do câmbio. A escalada recente do dólar ocorreu apenas por um ajuste de portfólio dos investidores estrangeiros. Eles começaram a reduzir um pouco suas posições em ativos emergentes e aumentar em mercados desenvolvidos, movidos por taxas de juros mais atraentes e números que revelam a força do crescimento econômico mundial. O primeiro fato ocorreu no fim da semana passada, lembra a economista da MB Associados, Mônica Baer, quando o Banco Central Europeu (BCE) elevou a taxa de juros e seu presidente sinalizou que outros aumentos estão por vir. Em seguida, foi a vez do Japão dar sinais de inflação, o que pode significar uma subida de juros do banco central japonês em algum momento. Por fim, a taxa dos títulos de dez anos dos EUA chegaram ao seu maior nível em dois anos e os números desta semana, como os dados de produtividade, mostram que a economia americana vai de vento em popa. "As pessoas, que achavam que o máximo da taxa de juros americana seria 5% ao ano (hoje em 4,5%), depois dos últimos números passaram a cogitar que subirá até 5,25%", diz Mônica. Foi atrás da possibilidade de ganhos maiores e com risco quase zero que nos últimos dias os investidores tiraram dinheiro do Brasil e levaram para os EUA. Mas os analistas acreditam que isso foi apenas uma pausa momentânea na euforia de fluxos para emergentes. "É inocente acreditar que uma alta de 0,75 ponto nos juros americanos e não de 0,5 ponto seja suficiente para mudar o apetite do investidor", diz o economista do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes. Uma conta rápida comprova como que a diferença de juros continua brutal a favor do Brasil. Com os juros americanos em 4,5% ao ano e uma inflação projetada para este ano de 2,9%, o juro real nos EUA é de 1,5% ao ano. Por aqui, com a Selic em 16,5% ao ano e uma inflação projetada de 4,56%, o ganho beira os 11,4% ao ano. Para o sócio da consultoria Global Invest, Fernando Pinto Ferreira, os recursos internacionais podem começar a pensar em novas alternativas só quando a Selic estiver na casa dos 12% ao ano, o que não parece factível, pelo menos para este ano. Enquanto isso não ocorre, o fluxo será de entrada. E quanto mais entra, mais o dólar cai. Se o fluxo financeiro sopra a favor da maré de baixa da moeda americana, é inegável, segundo os analistas ouvidos pelo Valor, que a maior correnteza vem da balança comercial. As exportações brasileiras continuam muito bem, a despeito de toda a desvalorização que o dólar já sofreu. O aumento das cotações das commodities e o crescimento econômico global, segundo Lopes, do Pátria, são mais que suficiente para compensar uma possível perda de competitividade brasileira no mercado externo devido a queda do dólar. Assim como o real, as moedas de outros países também se valorizaram, o que fez com que o Brasil não perdesse competitividade em relação ao concorrentes, lembra o estrategista para América Latina do WestLB, Ricardo Amorim. Houve também, segundo ele, uma mudança estrutural na demanda por produtos nacionais, vinda principalmente da Ásia, que importa os produtos que o Brasil mais exporta. "Ganhamos em preços, com a alta das commodities, e em quantidade também." Com as perspectivas de que o fluxo de recursos, tanto comercial, via exportações, quanto financeiro, para aproveitar a alta taxa de juros, não deve cessar, há um coro entre os analistas de que o dólar tem tudo para voltar a cair. "Mantido esse cenário, o dólar irá testar os R$ 2 ainda este semestre", diz Lopes, do Pátria. "Os R$ 2 são uma espécie de ímã, assim como os R$ 4 foram em 2002, quando o dólar bateu a máxima de R$ 4,006, com as eleições", diz Ferreira, da Global Invest. Os analistas ponderam que uma cotação na casa dos R$ 2 está longe de ser o ponto de equilíbrio para o câmbio brasileiro. A percepção é de que no segundo semestre, o dólar voltará a se valorizar. A queda dos juros e uma certa deterioração da balança comercial devem se encarregar disso, trazendo a divisa para algo entre R$ 2,20 e R$ 2,30 até dezembro. Celso Toledo, da MCM Consultores, é mais pessimista e trabalha com um dólar a R$ 2,40. "Reconheço todos os avanços que justificariam um real mais valorizado, abaixo dos R$ 2,60, R$ 2,70 que seriam o justo, mas ao mesmo tempo lembro que o país não cresce, tem uma dívida interna grande e cada vez que os juros baixam a inflação volta a ameaçar".