Título: Felicidade por decreto
Autor: Iunes, Ivan; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 25/05/2010, Política, p. 2

De pré-candidato à Presidência a parlamentares, cantores e personalidades, muita gente crê que ser feliz é bandeira passível de integrar programa de governo ou de se tornar direito constitucional

Se pudesse ser descrita, talvez a felicidade tivesse como significado algo próximo a uma gama de emoções ou sentimentos que vão do contentamento ou satisfação à alegria intensa ou júbilo. A novidade é que, se depender de um grupo de parlamentares, artistas e até pré-candidato à Presidência, ser feliz virará bandeira política. O hipotético partido da felicidade incluiria o presidenciável José Maria Eymael (PDC) e integrantes do movimento + Feliz, composto pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), por entidades de classe, como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), e até personalidades, como a cantora de Axé Margareth Menezes e o ex-jogador de futebol Sócrates. Enquanto Eymael tem a abstrata proposta de felicidade como um dos carros-chefes na corrida pelo Palácio do Planalto, o grupo do movimento + Feliz pretende inserir o sentimento como um direito previsto pela Constituição Federal.

A felicidade entrou na agenda política nos últimos meses, primeiro como síntese das propostas da pré-campanha de Eymael à Presidência. O ex-deputado constituinte, conhecido pelo jingle Ey, ey Eymael, promete trazer a felicidade aos brasileiros com um conjunto de projetos voltados para a melhoria do serviço público prestado pelo Estado. O ser humano aspira à felicidade. É uma palavra que tem o poder de síntese de valores. Uma das missões do presidente é levar felicidade para os cidadãos, afirma Eymael. O caminho para cumprir a promessa seria a constituição de um Estado servidor, com a adoção de modelos revolucionários de gestão pública e uma nova forma de administrar o país.

Com a felicidade no horizonte, o + Feliz tem reunião agendada para amanhã no Senado. O grupo, formado por diversos setores da sociedade, pretende dar impulso à Proposta de Emenda Constitucional de Cristovam, que sugere alterar o artigo 6º da Constituição para incluir o termo busca pela felicidade. O dispositivo trata dos direitos dos cidadãos brasileiros. A garantia já estaria incluída no texto constitucional de diversos países, como Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul. Para tramitar no Senado, a proposta precisa do apoio de, pelo menos, mais 27 senadores. Essa mudança influencia a ótica do direito. Mudará a forma de o juiz julgar direitos do cidadão, de resolver questões contra o Estado, de encarar a aposentadoria, de decidir sobre casos em que a pessoa não é bem atendida em ponto de saúde, explica Mauro Motoryn, idealizador do movimento, que conta com 130 entidades parceiras.

A proposta da Emenda da Felicidade, contudo, divide opiniões até entre os políticos que empunham o sentimento como bandeira. Ao passo em que Cristovam quer ver o tema na Constituição, Eymael entende que a iniciativa é redundante. A felicidade já está incluída nos três grandes pilares da Constituição: a Justiça, a liberdade e a solidariedade. Temos o melhor futebol de mundo, claro que podemos ter o melhor serviço público do mundo. Isso é que trará felicidade, aponta Eymael. Para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Luciano Borges dos Santos, a alteração constitucional não é garantia de que os brasileiros serão felizes, mas um resgate de princípios. Uma proposta como essa busca resgatar o compromisso da Constituição de estabelecer os direitos do cidadão, defende.

Transformação Além de mexer na Constituição, o + Feliz também quer incentivar a transformação de espaços ociosos e deteriorados em locais educativos. A ideia do movimento é utilizar praças, teatros e becos abandonados em espaços de convívio produtivo e de desenvolvimento de habilidades. A proposta é inspirada pela Cidade Escola Aprendiz, organização não governamental que desenvolve trabalho de aprimoramento simultâneo da comunidade e da educação com projetos focados em arte, cultura, educação, comunicação, tecnologia e articulação comunitária. Modificar a Constituição é interessante, mas a gente não considera essencial, imprescindível. Nosso engajamento está mais focado no trabalho voluntário e na busca do bem-estar, explica o presidente da ANPR, Antonio Carlos Bigonha.

O povo fala

Cabe ao Estado garantir a felicidade do cidadão?

Fotos: Paulo de Araújo/CB/D.A Press - 21/5/10

Juliana Goiano da Silva, 25 anos, secretária É complicado falar em felicidade em um país que não consegue garantir moradia, educação e saúde, direitos previstos na Constituição mas que na prática não nos beneficiam.

Liza Pacheco, 55 anos, aposentada Seria maravilhoso, porque ser feliz é uma coisa muito boa, mas a felicidade é um estado de espírito individual. Cada um deve ser feliz da forma como escolher. Não faz sentido isso virar lei.

Jairo Alisson Bispo, 24 anos, varejista Sim, acho uma iniciativa muito boa. O Estado tem que dar felicidade para todos nós, fazendo coisas boas, como benfeitorias para a cidade. Isso traz felicidade para todos.

Tiago Prates, 29 anos, jornalista Não. Acho meio ridículo. Já existem tantas garantias previstas na Constituição desrespeitadas. Criar mais uma não faria sentido. Se tudo fosse respeitado, a felicidade estaria garantida.

Grasiela Maria de Araújo, 27 anos, promotora de vendas Todos têm o direito de ser felizes, mas existir essa garantia em forma de lei não faz o mínimo sentido. Os parlamentares deveriam se preocupar com outros assuntos mais importantes.

Sérgio da Silva Brito, 38 anos, taxista Não sei se é um a boa. Acho que não faz sentido. A felicidade é algo que nem todos conseguem ter. Uma lei para obrigar o Estado a garantir a felicidade não funcionaria de jeito nenhum.