Título: Campanha eleitoral é a hora do monstro
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2006, Política, p. A9

O governo e a legislatura chegam ao último ano, sem que se tenham definido as regras para a eleição direta do quinto presidente da República sob o regime democrático pós-1964. A verticalização é uma tentativa de se impor sobre a diversidade uma homogeneidade que não corresponde à federação efetiva que é a nação brasileira. É um ponto de vista - mas não é em torno de pontos de vista, de valores e de uma verdadeira dimensão republicana que se discutem as coligações para as eleições de 2006. O que prevalece é o interesse de ocasião, como demonstram as posições diametralmente opostas do PT e do presidente Lula da Silva sobre a verticalização. Tem razão o deputado Roberto Freire (PPS-PE) quando diz que não há como comparar o regime democrático com a ditadura, veleidade a que se dedicaram alguns oposicionistas quando Lula vagava nos círculos do inferno, no pico das revelações sobre o mensalão. "Quem afirma isso é porque não viveu na ditadura", diz o deputado. Mas não seria demasiado dizer que essa foi uma legislatura desastrada, que caminha para um final melancólico com a absolvição a granel de mensaleiros. Para Freire, essa situação tem um responsável, e ele atende pelo nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como todos ou vários outros antes dele, o governo Lula fez uma opção pelo clientelismo e a fisiologia, com o requinte de ir um pouco além como demonstram as extensões mapeadas do valerioduto. Para não dividir poder ou dividir o mínimo possível, a promiscuidade pura e simples da compra de votos. "Essas coisas não ficam de quarentena, infeccionam tudo", acredita Freire. "Quando os generais torturavam, o guarda da esquina se sentia igualmente no direito de bater". Uma rápida corrida de vista sobre esses três anos e três meses de governo do PT, de legislatura e até de ação do Judiciário parece de fato acolher o desencanto do deputado. Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, pareceu natural namorar uma candidatura a presidente da República ao mesmo tempo em que despachava liminares expeditas em ações nem sempre líquidas e certas, muito menos urgentes. Incomodado com as críticas a seu desempenho ambíguo, reagiu com arrogância dos justos: "Os ignorantes perderam a modéstia".

Legislatura caminha para final melancólico

Lula, por seu turno, refugia-se no argumento de que o homem público está em campanha permanentemente, de sol a sol, para transitar perigosamente no limite da legislação eleitoral, aproveitando-se das prerrogativas do cargo de presidente da República para bombardear dia e noite corações e mentes com a excelência de sua recandidatura. A frouxidão não é exclusiva do governo. O PSDB nem sequer teve a preocupação da compostura ao articular ostensivamente para absolver um mensaleiro do PFL, dando razão "aqueles que pretendem ter licença especial para ser aéticos na suposição de que outros já foram antes", a crítica de ontem de um dos tucanos mais ilustres do ninho. "Não querem generalizar o bem; preferem pedir licença para generalizar o mal", como diz o primeiro de dez comentários sobre a ética lavrados pelo prefeito José Serra. Nesse contexto é ocioso discutir se há ou não acordão na Câmara para salvar o mandato de deputados. Quando o presidente volta a ostentar índices de popularidade iguais aos que detinha ha antes do mensalão e discursa que errar é humano, passa para o fundo do plenário da Câmara a idéia de que realmente não houve nada demais; se o povão não cobra a fatura de Lula, será condescendente com um Congresso que absolve o deputado Professor Luizinho (PT-SP) e seus vinte vinténs. Se o "monstro da opinião pública", na expressão cunhada pelo deputado Roberto Brant (PFL-MG) em sua bem-sucedida defesa na Câmara, não reagir, é possível que nenhuma punição mais seja aplicada na Câmara. Nesse ritmo, não será surpresa que logo apareça alguém para dizer que os dólares encontrados na cueca de um petista não passaram de ilusão de ótica dos agentes da Polícia Federal de plantão no aeroporto. A hora do "monstro" é agora, a campanha eleitoral, quando os tucanos terão de provar que de fato recusam o parentesco que o PT tenta associar aos partidos - "somos todos iguais" - e Lula terá de esclarecer coisas simples, como se prefere o "espetáculo do crescimento" ou se o Brasil "não tem pressa" para crescer.