Título: O petróleo tem que permanecer caro
Autor: Samuel Brittan
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2006, Opinião, p. A12

É necessário que haja um continuado estímulo à economia de combustível e de energia em geral

Se qualquer coisa sobre a economia mundial fosse capaz de me tirar o sono, não seria o perigo de outra recessão ou o risco alternativo de uma retomada da inflação em conseqüência do excesso de "liqüidez". Seria, isto sim, a possibilidade de uma queda temporária do preço do petróleo. David Walton, da Comissão de Política Monetária (CPM) do Banco da Inglaterra, recentemente deu uma palestra intitulada "Terá o petróleo perdido a capacidade de causar choques?". Seu principal objetivo foi explicar por que a atual explosão no preço do petróleo não produziu os efeitos inflacionários ou as conseqüências recessivas de choques anteriores. Uma razão é que o aumento nos preços levou mais tempo para evoluir. Walton disse também que o Reino Unido estava melhor posicionado para absorver o atual choque do petróleo por causa da ausência de um excesso de demanda que coincidiu com choques anteriores. Além disso, o mercado de trabalho está hoje "mais flexível" - os salários reais foram ligeiramente arrochados para absorver o encarecimento da energia sem quaisquer tentativas de recuperar seu poder de compra. Por fim, embora não menos importante, o êxito das metas de inflação "ajudou a ancorar as expectativas de inflação". Isso significa que os empregadores e sindicatos não projetaram, para o futuro, o impacto inicial da alta do petróleo. De bom grado, dou à CPM o crédito pela política monetária britânica. Mas gostaria de abordar outro aspecto do texto de Walton. Refiro-me à evolução do preço real do petróleo em libras esterlinas. O preço subiu até um pico durante o primeiro choque de 1973, depois cedeu, nos anos finais da década de 70, mas subiu novamente durante o segundo choque, associado à derrubada do xá do Irã. Houve um terceiro choque, embora muito breve, no momento da primeira guerra no Iraque. À luz do que ocorreu antes e depois, o período entre meados da década de 80 e início do século XXI nos parece de relativa estabilidade. Os primeiros choques, porém, foram suficientes para reduzir o uso de energia no Reino Unido - de um pico de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no início dos anos 80 para 1,5% em 2003. Mas quase toda a redução aconteceu entre a década de 70 e meados dos anos 80. Algo similar aconteceu nos EUA quando diversas administrações federais empenharam-se em programas de contenção do uso de energia, mas abandonaram o rigor dos esforços assim que a crise já não assustava.

Uma queda temporária dos preços do petróleo causaria retrocessos no avanço que está sendo feito rumo à maior eficiência no seu consumo

A mais recente explosão nos preços do petróleo deixou uma profunda marca na psicologia empresarial. Mas precisamos estar atentos. Tropeços no crescimento americano e mundial poderão facilmente produzir uma queda temporária dos preços do petróleo, que novamente causaria retrocessos no avanço que está sendo feito rumo à maior eficiência no consumo do combustível. Há três razões para querermos poupar energia, em geral, e o petróleo, em particular. Primeiro, há a mudança climática. Em discurso recente, sir Nicholas Stern, que está conduzindo uma investigação do Tesouro britânico sobre os aspectos econômicos do aquecimento mundial, citou diversas políticas - como a da geração de eletricidade sem emissão de gás carbônico, o que poderia reduzir emissões insalubres. Todas essas políticas seriam estimuladas pelo encarecimento do petróleo e a maioria delas se justificaria por si mesmas. Segundo, existem já antigas considerações ambientais. A incessante e crescente emissão de substâncias tóxicas na atmosfera não pode ser saudável; e é perceptível que os protagonistas em todos os lados do debate gostam de viver em áreas rurais tão distanciadas de rodovias e indústrias quanto possível. Terceiro, o presidente americano, George W. Bush, tem razão em enfatizar a necessidade de reduzir a dependência em relação à energia do Oriente Médio e de outras áreas voláteis. Em meu livro, essa é a mais importante de todas as razões para poupar energia. A sugestão óbvia em política energética é no sentido de que se houver alguma pausa ou recuo temporário no encarecimento do petróleo, o governo britânico deveria, por exemplo, reverter à sua política anterior de aumentos graduais nos impostos sobre a energia; e talvez os EUA movam-se nessa direção, levados a isso principalmente por Estados individuais da União. Há o risco de que os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) tentem antecipar-se a tais iniciativas reduzindo o suprimento e elevando os preços de mercado, apropriando-se eles mesmos dos ganhos econômicos. Mas a Opep é um cartel apenas parcialmente bem-sucedido e a questão de quem se beneficia economicamente é, nesse caso, de importância secundária em comparação com a necessidade de continuado estímulo à poupança de petróleo e de energia.