Título: Tema contrapõe PT à equipe econômica
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2006, Especial, p. A14

Defendida pela equipe econômica do governo e combatida pelo PT, a terceira reforma da Previdência terá dificuldades para avançar caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito. É um quadro diferente do enfrentado pelo presidente em 2003, quando propôs a reforma no setor público e teve a oposição da ala petista vinculada com mais força ao funcionalismo. Desta vez, com o alvo no setor privado, a reforma é criticada pela cúpula do partido. "Na prática, não há déficit no Regime Geral da Previdência. Para que a soma das receitas ltrapasse a despesa, o que é preciso é assegurar o crescimento econômico e melhorar a gerência, com o combate à informalidade e à terceirização fraudulenta", disse o presidente nacional da sigla, Ricardo Berzoini, o ministro da Previdência que enviou em 2003 a proposta de reforma constitucional do governo Lula, descartando tanto a introdução da idade mínima para os segurados do regime geral quanto a desvinculação entre o salário mínimo e a previdência. Na Esplanada dos Ministérios, contudo, a discussão é outra. Integrantes da equipe do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, têm mantido constantes encontros com as entidades do setor privado que defendem uma reforma da Previdência, como as que reúnem os fundos de pensão abertos (Anapp) e fechados (Abrapp) e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, comentou com interlocutores que julga um novo ciclo de reformas imprescindível. O próprio Berzoini admite que há distância entre governo e partido. "Meu pensamento é a posição majoritária do partido, mas esta pode não ser a opinião de todos os ministros", disse o dirigente. O assunto é tratado com cuidado, para não virar tema de campanha e evidenciar o conflito entre o Executivo e o partido do presidente da República, em uma circunstância onde a candidatura à reeleição de Lula ainda é frágil. Em linhas gerais, os técnicos da equipe econômica são simpáticos a uma reforma nos mesmos moldes da proposta de estudiosos ligados ao PSDB e no mesmo feitio da defendida pelo setor privado. O presidente Lula por enquanto é lacônico ao comentar publicamente suas prioridades no segundo mandato. Em sua recente entrevista à revista inglesa "The Economist", Lula mencionou a reforma tributária, a sindical e a trabalhista como os principais itens da agenda do Executivo no Congresso. Afirmou que o déficit da Previdência deverá cair com as medidas administrativas que tomou, como o censo previdenciário e a criação da Super Receita, que unificou os mecanismos de arrecadação no país. Mas, de forma reservada, autorizou a equipe econômica a estudar cenários com uma reforma previdenciária profunda. Diante da dificuldade de aprovação no Congresso da idade mínima de aposentadoria para os beneficiados do regime geral, discute-se entre governo e setor privado um novo cálculo para o fator previdenciário, de modo a desestimular ainda mais a aposentadoria antes dos 65 anos, independente de gênero. Em fim de mandato e com divisões internas, as discussões com o setor privado não são centralizadas e nem realizadas de maneira regular. "Não há um único interlocutor com o governo, são diversas pessoas. Este assunto só será tratado de maneira efetiva no próximo ano, porque o grande campo de batalha será no Legislativo, e não no Executivo", afirmou o presidente da Anapp, Osvaldo Nascimento. "A Previdência é uma questão de ajuste do gasto público e se imporá como prioridade, independente de quem seja eleito", comentou o presidente da Abrapp, Fernando Pimentel. A resistência petista a uma nova reforma da Previdência está dentro de uma contestação global à estratégia da equipe econômica de manter uma política de taxas de juros altas enquanto não se fizer um corte de gastos públicos de maneira estrutural. Dentro deste debate, a oposição é feita à qualquer proposta que não envolva o corte imediato dos juros. "Existe um descontentamento generalizado em relação ao atual comando do Banco Central. É muito mais fácil cortar 1% da Selic e proporcionar uma economia de R$ 10 bilhões em gastos com a conta de juros do que promover um ajuste público com mudanças negociadas no Legislativo e que sacrifiquem a economia", afirmou o economista Amir Khair, filiado ao PT e presença constante nos debates internos da sigla. O aumento da importância da CUT na máquina petista, evidenciado pela nomeação do presidente da central, Luiz Marinho, para o Ministério do Trabalho, também não irá colaborar para que a reforma tenha trânsito fácil no governo em um eventual segundo mandato. A central está reivindicando exatamente o oposto do que prega a equipe econômica: pretende-se o aumento real para todas as categorias de aposentados. "Tem havido aumento real para os aposentados que ganham o salário mínimo, mas não para as categorias maiores. Quem aposta numa reforma da Previdência pode ver o governo indo na direção exatamente oposta", disse João Vaccari Neto, secretário de Relações Internacionais da CUT. (CF)