Título: Pressão externa força fim de sigilo total
Autor: Marta Watanabe e Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Brasil, p. A3

Desde º de janeiro, Aruba, ilha caribenha com mar azul e areias brancas, pode até ser considerada ainda um paraíso. Mas não fiscal. Pelo menos não da forma tradicional, com isenção e sigilo totais. O sistema, que dava alíquota zero para as chamadas "Aruba Exempt Companies" (AVVs) foi praticamente extinto desde o início do ano, diz o tributarista Celso Grisi, consultor da Fox Horan & Camerini LLP. Antes isentas, as companhias ficaram sujeitas a uma alíquota interna de 35% e os dividendos que as AVVs pagarem passam a pagar 10% de IR para o governo local. "Os tributaristas internacionais e as autoridade fiscais estão discutindo um regime de transição entre a velha legislação e a nova." Há apenas algumas exceções para continuar com a alíquota zero, diz Grisi: as AVVs que sejam holdings de empresas no exterior instaladas em países que tributem a renda em no mínimo 17,5%, além de AVVS usadas para o licenciamento de direitos de propriedade intelectual. Além de medidas tributárias, Aruba também proibiu as ações ao portador, que permitem esconder os sócios da empresa. As participações ao portador devem ser convertidas em ações nominativas. As companhias passaram a ser obrigadas a apresentar registros contábeis. "As mudanças foram resultado de pressões originadas da União Européia e EUA", diz Grisi. A pressão sobre os tradicionais paraísos foi ampla e não surtiu efeito somente em Aruba. Também no Caribe, as Ilhas Virgens Britânicas apresentaram sua nova legislação societária no final de 2004. As principais mudanças passaram a ter efeitos a partir deste ano, diz Grisi. Entre as medidas do arquipélago estão a proibição às ações ao portador e a necessidade de a empresa determinar o número de ações que poderão ser emitidas, além de documentação societária devidamente registrada. Foi dado um prazo de dois anos para adaptação às novas regras. Em consonância com o cerco externo sobre os paraísos fiscais, as normas brasileiras também tornaram-se cada vez mais restritas com esses locais. Nos últimos dez anos a pressão em relação ao tema aumentou. "A legislação brasileira vem sem dúvida tornando-se mais rígida. Atualmente, a Receita possui delegacias só para relações internacionais", afirma o consultor tributário, Eduardo Fleury. Uma das alterações mais importantes, diz a advogada Ana Cláudia Akie Utumi, foi a tributação em bases universais, estabelecida em 1995. Desde a criação da norma, pessoas físicas e jurídicas são obrigadas a pagar, em 31 de dezembro, uma alíquota de 34% (Imposto de Renda, mais Contribuição Social sobre Lucro Líquido) sobre os rendimentos do exterior. Dois anos depois de criada essa norma, foi a vez de entrar em vigor o chamado preço de transferência. Segundo Ana Cláudia, esse sistema implantado pela Receita Federal tem por objetivo evitar a transferência de lucro entre empresas coligadas, pois ao "transferir" o lucro, a empresa evita a tributação. Antes dessa regra, o que se via, por exemplo, eram empresas que obtiveram lucro "camuflá-lo" por meio da compra de insumos de uma empresa coligada. A compra era efetuada por valores altíssimos para evitar que a empresa registrasse lucro. O contrário era também observado. A empresa exportava para a matriz por preços abaixo do mercado. Com o preço de transferência não é possível fazer esse tipo de operação porque a sistemática limita os valores que podem ser contabilizados, como explica Ana Cláudia. Outra mudança promovida na legislação foi o aumento das alíquotas do IR sobre a remessa de valores para empresas localizadas em paraísos fiscais que tenha prestado serviço para o Brasil (royalties) ou sobre outras remunerações como juros ou rendimentos diversos, como aluguéis. A partir de 1999, a alíquota que correspondia a 15% passou para 25%. A última medida foi proposta pela MP 281/06. Ela estabeleceu alíquota zero para o IR sobre rendimentos sobre aplicações em títulos do Tesouro brasileiro auferidos por empresas ou pessoas físicas domiciliadas no exterior. Mas o benefício fiscal não vale para os domiciliados em paraísos fiscais.(ZB e MW)