Título: Investidores criticam projetos e apontam risco de déficit
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Brasil, p. A5

Os investidores privados da área elétrica não receberam bem as diretrizes do plano decenal para o setor divulgadas pelo governo. As principais críticas foram direcionadas aos esforços da União em tornar realidade grandes projetos de geração de energia no país, como a hidrelétrica de Belo Monte e o complexo do Rio Madeira - chamados de "estruturantes", devido ao grande porte (praticamente do tamanho de uma Itaipu, cada). Outro ponto que lançou dúvidas sobre os executivos foi a falta de garantia de oferta de energia a partir de 2009. A possibilidade de retomada da construção de Angra 3 também foi rechaçada. "Temos 23 hidrelétricas com concessão já leiloada, e as obras estão paralisadas. Mas o governo reluta em resolver o problema dessas usinas. Algumas delas, inclusive, já estão até com licenciamento ambiental em dia, mas estão paradas por problemas econômicos", afirma Claudio Sales, presidente da Câmara Brasileira dos Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), que congrega 15 grupos privados responsáveis por 66% do mercado nacional de distribuição elétrica e 28% da capacidade nacional de geração de energia. Compartilha do mesmo sentimento o presidente da Associação dos Produtores Independentes de Energia (Apine), Luiz Fernando Vianna. "Antes de priorizar os projetos estruturantes, o governo deveria resolver o problema dos projetos já leiloados, mas que ainda não saíram do papel", disse. Vianna e Sales se referem ao problema do Uso do Bem Público (UBP), que é o valor que os investidores têm que pagar ao Tesouro Nacional pela concessão. No caso das hidrelétricas leiloadas pelo modelo antigo - onde ganhava o leilão quem oferecesse o maior valor - alguns ágios pagos na disputa, de até 3.000%, encareceram a energia desses projetos. Agora, eles não conseguem competir nas regras atuais, onde vale o menor preço. "Já conseguimos sinalização positiva para o problema no Ministério de Minas e Energia. Mas o problema emperrou na esfera da Fazenda. O Tesouro não abre mão da receita, mas se continuar como está, não irá arrecadar nada, porque os projetos não sairão do papel", diz Vianna. Outro ponto criticado pelo executivo da Apine é o custo de transmissão que os projetos hidrelétricos de Belo Monte e Madeira trarão aos consumidores. "São hidrelétricas em áreas isoladas, no Norte do país, cujo custo do transporte da energia é quase tão alto quanto o de construção das barragens. Seria importante, no cenário atual onde os custos de transmissão são cada vez maiores, que esses projetos tenham o investimento da transmissão embutido em sua tarifa. E não que esses custos sejam rateados por todos." Para o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, o principal problema do plano decenal é a falta de garantias de que haverá oferta de energia suficiente no país a partir de 2009. "O ponto positivo foi a divulgação do plano. Mas, nos cenários expostos, tanto de alto crescimento como no cenário tido como referência de consumo, de 4,8% ao ano, ficou claro o alto risco de déficit daqui a três, quatro anos. Já estamos em estado de alerta", afirmou. Segundo Pires, o plano do governo conta com a oferta de projetos que poderão demorar a sair do papel muito mais tempo do que se imagina. "Não acredito que o complexo Madeira, Belo Monte e Angra 3 comecem a produzir energia tão cedo. São projetos difíceis, com vários problemas ambientais e econômicos que ainda não foram solucionados." Segundo Pires, o programa não contempla no horizonte de médio prazo, oferta suficiente de energia para atender ao crescimento da demanda.