Título: Estão sonhando com a próxima...
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Política, p. A6

O presidente Lula está ficando imune a denúncias, como prova, por exemplo, o fato de não ter sido atingido nem de leve pelas suspeitas levantadas sobre as relações mal explicadas de seu filho com empresa concessionária de serviço público, cuja maioria das ações está nas mãos de entidades estatais. Porém, não se pode apagar do mapa o ano passado, descartar efeitos das irregularidades na campanha de reeleição. Tudo aconteceu por muito tempo, houve denúncias muito graves, e foram muito escandalosos os atos de corrupção apontados contra diferentes instâncias do seu governo. Se esses fatos ainda terão ou não influência negativa sobre a reeleição e se vão enfraquecer o presidente, é uma das incógnitas da campanha. Acreditam alguns analistas que sim. Outros, que não, e a recuperação que o presidente vem mostrando nas pesquisas seria um sinal disso. Mas a tormenta ainda não passou, pode voltar a qualquer momento. Se vier a surgir, por exemplo, alguma denúncia que atinja o presidente mais diretamente do que poderia ter sido atingido pelos negócios do filho, ou, no caso da atividade política, pela performance do homem mais importante do seu governo e do PT, o ex-ministro José Dirceu, até um poste que com ele estiver concorrendo pode ser eleito. A quebra de sigilo bancário de Paulo Okamotto, atual presidente do Sebrae que assessorou Lula em sua vida financeira privada, pode ser um detonador deste tipo de conseqüência. Revelações nesse campo teriam o condão de tornar qualquer candidato do PSDB absolutamente competitivo. Ficando os cenários de corrupção no nível em que estão no momento, os cenários eleitorais tendem a não se alterar. Preservado o governo de fatos indesejáveis e imponderáveis, a sensação, ontem, entre políticos (os governistas, eufóricos, os oposicionistas, bastante ressabiados com as definições do PSDB) é que o principal adversário do PT vai concorrer com time reserva. Assim sendo, mantidas as atuais condições, não haveria, para Lula, o que temer. Entretanto, da mesma maneira que há condições para a manutenção da vantagem de Lula, há também para a situação a princípio desfavorável a Geraldo Alckmin, ungido ontem candidato do tucanato. Ele pode derrapar no início da pista, como vem ocorrendo até agora, para, em seguida, crescer à medida em que for se tornando mais conhecido. E crescer muito nas pesquisas de intenção de voto logo que for retirado o nome do prefeito José Serra, o mais bem votado do partido, dos cenários da disputa. Mas pode também patinar, até perder terreno, a depender da situação de Lula, do candidato que vier a ser lançado pelo PMDB, e da expectativa que consiga criar em torno de um governo do seu grupo de tucanos, esta, outra significativa incógnita da campanha. Ao longo desses dois meses em que o governador de São Paulo armou a sua candidatura, houve tempo para que algumas questões pudessem ser esclarecidas. Ficou evidente, por exemplo, que tanto ele quanto seu grupo no PSDB estão a uma distância amazônica, ideológica e programática, do prefeito José Serra que, como ele, desejava a indicação. O governador, perfilado à direita, tem o apoio dos setores empresarial e financeiro, que de resto também apóiam Lula. Serra apresentaria uma candidatura à esquerda, a primeira, no Brasil, em condições reais de competição em muitos anos, e contava até agora com a rejeição geral daqueles apoiadores de Lula e Alckmin.

Candidato competitivo ou time reserva?

Não se percebe muito além disso fora de São Paulo. Tão desconhecido quanto o governador, no Brasil, é o que ele poderia fazer na Presidência. O agora candidato do PSDB à Presidência (as formalidades não contam) realizou um governo no Estado mais rico do país, por muitos anos, e nada conseguiu projetar além fronteiras. Não houve uma iniciativa que se tornasse - não seria necessário ser modelo - pelo menos conhecida. Alckmin começa do zero, e seu projeto pode ter a cara de quem estiver no comando eventual de sua assessoria. Neste aspecto, o seu adversário principal na disputa presidencial não apresenta vantagem. Se Lula não tem projeto para o mandato que termina, imagine-se para uma segunda temporada. A campanha pode se pautar, com os dados de hoje, por uma equação que leve em conta duas questões: se não se pode apagar o ano passado para Lula, também não se pode apagar a sensação de que o PSDB vai concorrer às eleições com time reserva. Se Alckmin tomar impulso, o que não é impossível, terá seguidores e uma massa de partidos a acompanhá-lo, como acontece com todos que chegam nesse estágio. O concreto, porém, é que hoje a reeleição ainda está nas mãos de Lula. Comentários de um chefe de missão diplomática, preparando-se para transmitir ao seu governo a informação sobre a escolha do candidato do PSDB atestam a propriedade dessas avaliações: "Tudo leva a crer que já estão pensando na próxima", disse ontem. Tudo leva a crer, também, que José Serra tenha sido, como sempre, bastante esperto. Concorrer com o partido dividido ele já havia experimentado, e viu que não dá certo. À época, 2002, nem tinha o que perder. Concorrer com o partido dividido, hoje, quando tem muito a perder, seria repetir um erro já há muito lamentado. O prefeito deixou o espaço para Alckmin, e isto ficou claro desde a noite de segunda, quando anunciou aceitação da candidatura mas impôs a condição de não participar de prévias. O governador, que está agora na sua vez de não ter nada a perder, jogou um xadrez considerado soberbo por amigos e adversários, e levou o que queria. Como não parece ser sua preocupação questões como divisão ou união do partido, o que a esta altura parece mesmo impossível tal o nível de estresse entre os dois grupos do PSDB paulista, pode-se considerar que o desfecho, por enquanto, não enterrou ninguém. A não ser que José Serra aceite apelos para deixar a prefeitura e candidatar-se ao governo do Estado, disputando a indicação com o candidato de dona Lila Covas.