Título: Após erros, desafio é achar saída honrosa
Autor: Paulo Braga De Gualeguaychu e Fray Bentos
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Especial, p. A16

Análise

Para o Uruguai, é impensável que o projeto das fábricas de celulose não vá adiante. Mas a Argentina se comprometeu em defender sua população. O desafio agora para os dois governos é encontrar uma "saída honrosa", capaz de satisfazer os dois lados numa disputa complexa, na qual ambos têm argumentos legítimos, mas ao mesmo tempo deixaram regras de lado e agiram de acordo com suas próprias conveniências. No lado argentino, a questão foi praticamente ignorada pelo governo até que as manifestações contra a construção das fábricas ganhassem destaque na imprensa. Para o advogado constitucionalista Daniel Sabsay, durante a gestação do projeto, em 2003, o governo argentino falhou ao não exigir o cumprimento do Tratado do Rio Uruguai, que prevê a obrigatoriedade de consulta em temas relacionados ao curso de água compartilhado. E o Uruguai teria violado as regras "de maneira manifesta, já que tomou a decisão de instalar as fábricas sem observar nenhuma das exigências que o tratado prevê", escreveu Sabsay no jornal argentino "La Nación". A indiferença inicial argentina se deveu provavelmente a um erro de cálculo político. As autoridades de Buenos Aires esperavam que a chegada ao poder do esquerdista Tabaré Vázquez no Uruguai fosse levar a uma revisão do projeto. Mas a disputa com os vizinhos argentinos acabou atuando como um fator de união nacional e contribuiu para que o presidente assumisse como política de Estado a iniciativa, que havia sido questionada por membros da coalizão que o levou ao governo, a Frente Ampla. Os uruguaios também apontam o que consideram hipocrisia dos argentinos: a própria imprensa portenha noticiou com destaque que houve tentativas, em 1988 e 1996, do governador de Entre Rios, Jorge Busti, de trazer a indústria de celulose para sua província. Apenas em setembro do ano passado Busti anulou uma lei que previa incentivos fiscais para a instalação do projeto em seu território. Com o conflito chegando às primeiras páginas dos jornais em plena campanha que precedeu as eleições parlamentares argentinas do final do ano passado, o governo de Buenos Aires resolveu tomar partido na questão, colocando-se ao lado dos moradores de Gualeguaychu. Seu representante nas negociações era o então chanceler, Rafael Bielsa, que tinha de conciliar o cargo público com a condição de candidato a deputado. O que prevaleceu foi mais a retórica política do que a sutileza diplomática. Não por acaso, as tentativas de negociação fracassaram, enquanto o Uruguai prosseguia a construção das fábricas, apostando em que os ânimos do lado argentino se acalmariam depois das eleições. Esta aposta deu errado. Animados pelo apoio oficial e pela tolerância das autoridades com os bloqueios esporádicos na fronteira, ambientalistas e moradores decidiram fazer um bloqueio permanente em duas pontes que ligam os dois países. Na definição de Juan Villalonga, do Greenpeace argentino, os moradores de Gualeguaychu tiveram o mérito de alçar a questão das fábricas de celulose ao topo da agenda nacional, mas o governo argentino se equivocou ao permitir que os ativistas da província de Entre Rios passassem a "ditar a política externa do país". Para ele, além das consequências nocivas para a relação bilateral e para o Mercosul, a falta de acordo que solucione o conflito pode impedir que a região defina parâmetros comuns para disciplinar a instalação no região deste tipo de empreendimento, que segundo ele é uma tendência crescente. (PB)