Título: Posição do governo sobre transgênicos alimenta polêmica
Autor: Marli Lima
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Agronegócios, p. B14
Biossegurança Críticos e defensores dos OGMs fazem críticas sobre definição para o Protocolo de Cartagena
A posição do Brasil para o Protocolo de Cartagena, definida na segunda-feira, não livrou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de cobranças de setores envolvidos nas discussões que tratam da identificação de Organismos Vivos Modificados (OVMs) em cargas transfronteiriças. Enquanto avaliavam as implicações da decisão de transição do governo brasileiro, uns reclamavam dos custos para a realização de testes e a colocação de informações detalhadas nos produtos, com a expressão "contém" transgênicos, outros consideravam longo demais o prazo de quatro anos para o período de transição, quando será permitido o termo "pode conter". Segundo nota assinada pelo presidente Lula, "a expressão 'contém' será utilizada nos casos onde exista a preservação da identidade no sistema de produção. Fica estabelecida uma fase de transição de quatro anos para que os países implementem o sistema de preservação da identidade na produção de OVMs destinados a movimentos transfronteiriços. Nos demais casos e durante uma fase de transição de quatro anos será utilizada a expressão 'pode conter' seguida de todos os eventos de transformação genética aprovados no país exportador. Após o período de transição para toda a movimentação transfronteiriça, de ovms, deverá adotar a expressão contém com a especificação dos eventos contidos no produto exportado". Esta posição, porém, não garante que as discussões avancem na 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP 3), que começou na segunda e vai até sexta-feira em Curitiba (PR). Na reunião anterior, realizada em 2005 no Canadá, não houve consenso sobre a identificação de OVMs porque Brasil e Nova Zelândia tinham posições distintas dos outros países, por defenderem a expressão "pode conter". Delegados do México, por exemplo, também defendem o termo "pode conter". Pelo menos outros cinco países, entre eles o Peru, teriam defendido a mesma expressão. Marco Meraz Ríos, secretário-executivo da Comissão Intersecretarial de Biossegurança do México, disse que o "contém" é mais difícil de ser implementado. E, mesmo que nos próximos dois dias os 132 países signatários do protocolo cheguem a um acordo, no meio do caminho até a implementação do "contém" no Brasil pode haver uma revisão do protocolo. A secretária da MOP 3, Cyrie Sendashonga, lembrou que qualquer país, mesmo depois de comunicar sua posição oficial, pode alterá-la. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, voltou a repetir ontem , em Curitiba, que a decisão do país representa uma "grande conquista", que o Brasil está defendendo a colocação de "contém" e que sua implementação começa agora. "Não vai ser preciso esperar quatro anos para poder fazer a identificação. Ela é concomitante. À medida que se vai criando condições para segregação, os que vão segregando vão fazendo a identificação". Segundo ela, é preciso uma transição para adaptações logísticas. Aparentemente contrariado com a decisão brasileira por defender uma postura mais liberal em relação aos transgênicos, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, acusou o golpe. "Embora eu seja uma pessoa disciplinada, não posso deixar de admitir que, nesse caso, fui derrotado", afirmou ele. Ao ouvir as explicações de Marina Silva, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB) deixou de lado as críticas ao período de transição e falou sobre o porto de Paranaguá, onde não é permitido o embarque de transgênicos. E aproveitou para fazer um elogio à ministra. "O governo 'contém' Marina Silva", disse. Para o diretor de políticas públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão, a decisão brasileira foi um passo significativo. Já a assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Maria Rita Reis, disse que o prazo de transição é "inaceitável". "A indústria já teve sete anos para se adaptar", disse ela, lembrando que as discussões começaram em 1999. João Pedro Stédile, um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), exibiu o rótulo dos transgênicos e pediu para que a lei de rotulagem seja cumprida. Em comunicados, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), criticaram a posição do governo brasileiro. Segundo a CNI a obrigatoriedade de informação detalhada geraria custo adicional de US$ 50 milhões. Segundo o professor José Maria da Silveira, da Unicamp, considerando as 22,5 milhões de toneladas de soja exportadas pelo Brasil em 2005, os gastos para detecção de um tipo de OVM nos portos de exportação poderiam variar de US$ 5 milhões a US$ 14 milhões - e poderiam chegar a US$ 80 milhões se tivessem de ser verificados outros tipos de organismos. Enquanto prazos e valores eram discutidos no evento de Curitiba, integrantes da Via Campesina, mesmo grupo que na semana passada destruiu instalações da Aracruz, ocuparam uma área onde a múlti Syngenta faz testes com transgênicos, próximo a Santa Tereza do Oeste (PR).