Título: Divergências entre ministérios 'atrasam' plano para o álcool
Autor: Mônica Scaramuzzo
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2006, Agronegócios, p. B14

Combustíveis

Um impasse entre os ministérios da Agricultura e das Minas e Energia tem conturbado as discussões sobre uma política estratégica para o álcool combustível no país. Entre outros pontos ainda sem definição é a formação de estoques durante a entressafra da cana na região Centro-Sul, considerado vital para evitar disparadas de preços como a observada nos últimos meses. Fontes ligadas ao governo e às usinas afirmam que os dois ministérios ainda não chegaram a um consenso sobre se o álcool deverá ser classificado como um produto agrícola, sob a responsabilidade da Pasta conduzida por Roberto Rodrigues, ou como combustível, sob coordenação do ministro Silas Rondeau. Segundo uma fonte da Agricultura próxima às negociações, diante do impasse a tendência é que seja definida uma gestão compartilhada, com participação mais ativa da Agência Nacional do Petróleo (ANP) - que poderia inclusive intervir no ritmo das exportações. A atual influência da ANP sobre o mercado de álcool é pequena, praticamente limitada a levantamentos de preços. A saída apontada não foi confirmada pelo ministério de Minas e Energia, mas a fonte pontuou que a Agricultura não abrirá mão do álcool. De qualquer forma, avaliam representantes do governo e da iniciativa privada, a ação do governo na área caminha para tornar-se mais efetiva, o que desagrada as usinas - que lembram que os atuais desentendimentos entre Brasília e as usinas começaram em janeiro de 2003, quando o presidente Lula exigiu dos empresários explicações sobre as altas do álcool combustível naquela entressafra. Em janeiro passado, o governo repetiu a dose e selou um acordo para manter os preços do produto em até R$ 1,05 (posto usina). O teto foi superado em fevereiro, o que resultou em novo "puxão de orelha" do governo e reclamações dos usineiros sobre a tentativa de intervenção. Para Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), até o momento "não houve vontade política" do governo em discutir uma política estratégica para o álcool. "Até agora não fomos chamados para qualquer reunião". Carvalho evitou comentar a possível intervenção direta do governo no setor, se confirmada a gestão compartilhada. Mas o dirigente confirmou que há uma política mais intervencionista em gestação. Carvalho participou ontem do primeiro dia da 4ª edição da Feicana (Feira de Negócios do Setor de Energia), em Araçatuba (SP). A fonte do Ministério da Agricultura afirma, contudo, que o setor sucroalcooleiro tem de entender que um maior controle do governo deverá mesmo ocorrer, uma vez que o álcool é considerado um produto estratégico. A discussão das estratégias para o setor estão na pauta da reunião do Conselho Nacional de Política Energética, que acontecerá no início de abril. Outra fonte do governo informa que é possível que a formação de estoques de álcool comece a acontecer já a partir de junho, quando a colheita da safra de cana no Centro-Sul - projetada em até 365 milhões de toneladas - ganhará ritmo. Segundo Carvalho, enquanto isso não haverá crise de desabastecimento. Para ele, as usinas produzirão de 800 a 900 milhões de litros até o fim de abril. Carvalho informou, ainda, que o consumo nacional deverá recuar até 250 milhões de litros por mês no curto e médio prazo, volume que já inclui os 100 milhões de litros decorrentes da redução da mistura de 25% para 20% de álcool na gasolina.