Título: Esqueleto do apagão ainda afeta balanço
Autor: Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2006, Empresas &, p. B1

O fantasma do racionamento de energia, ocorrido há cinco anos, ainda paira sobre o setor elétrico. No último trimestre de 2005, algumas das principais distribuidoras de energia do país fizeram provisões em seus balanços contábeis que somavam R$ 843 milhões até ontem, por conta de um esqueleto da época do apagão.

O balanço foi feito pela Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) com 11 concessionárias que haviam divulgado o seu balanço até ontem. Essas companhias representam mais de 70% do mercado nacional de distribuição de energia.

A Eletropaulo, por exemplo, declarou perdas de R$ 176,9 milhões no último trimestre, e amargou no ano um prejuízo de R$ 184 milhões. A CPFL Paulista e a Cemig, apesar dos lucros bilionários, provisionaram R$ 79,3 milhões e R$ 277 milhões, respectivamente. Todo o problema gira em torno da Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE), conhecida informalmente como a "conta do apagão ", criada pelo governo para recuperar as perdas que as empresas de energia tiveram na época do racionamento. Por meio de medida provisória aprovada e transformada em lei, o governo federal lançou no fim de 2001 um pacote de financiamento para as empresas de energia com recursos de R$ 7,9 bilhões do BNDES. Para pagar esse empréstimo, as empresas tiveram direito à aplicação de um aumento extraordinário nas tarifas de 2,9% para os clientes residenciais e de 7,9% para os consumidores industriais, por um prazo médio de 72 meses. Os clientes considerados livres estavam isentos do pagamento extra. O problema é que, nos últimos dois anos, houve uma forte migração de grandes consumidores industriais da área cativa das concessionárias para o mercado livre de energia. Na época do racionamento, havia apenas seis consumidores livres no país, responsáveis por menos de 1% do consumo nacional. Hoje, existem 770 consumidores livres industriais que representam cerca de 25% de todo o consumo de energia do país. Luiz Carlos Guimarães, presidente da Abradee, explica que a concessionária de distribuição ficou com a responsabilidade de arrecadar junto aos consumidores finais o valor total da "conta-apagão". Do total a que têm direito a receber, ainda faltam R$ 4,9 bilhões, segundo Guimarães, sendo R$ 3,15 bilhões para as distribuidoras (que têm direito a 65% do total) e R$ 1,75 bilhão para as geradoras (que têm a prerrogativa de ficar com 35% do total). "Desses R$ 4,9 bilhões que ainda faltam, as distribuidoras acreditam que não irão recolher R$ 843 milhões, pelo menos", afirma Guimarães. Essa conta da época do apagão já virou foco de disputa entre as empresas de energia e os consumidores livres. Em dezembro passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) colocou em audiência pública uma minuta de resolução que estenderá aos consumidores livres a cobrança da RTE. Mas isso ainda não foi aprovado e tornou-se uma grande briga entre empresas de energia e consumidores. Quando a conta-apagão foi criada, o governo estipulou um prazo médio de 72 meses para que as distribuidoras amortizassem as perdas do período do racionamento. Até agora, 20 companhias já acertaram suas dívidas. Entre elas estão a Celesc (SC), a Celtins (TO), a Cemar (MA) e a Bragantina (SP). Algumas, como a Sulgipe (SE), fecharam a conta em apenas um ano. Outras oito companhias acertam seus débitos em 2006, como a Cauiá (SP), a Celpa (PA) e a CPFL Piratininga (SP). Mas a maioria deverá fazer o acerto somente em 2007 e 2008. O caso mais extremo é o da Ampla (RJ), que tem até 2011 para zerar todas as suas perdas (ou 112 meses). Segundo nota técnica divulgada pela Aneel, se a resolução que obriga os consumidores livres a pagarem retroativamente a RTE, isso beneficiará os consumidores que não tiveram a prerrogativa de mudar de fornecedor, como no caso dos clientes residenciais. No caso de distribuidoras que ainda não amortizaram as perdas, o recolhimento da RTE dos consumidores livres vai acelerar a reposição do prejuízo acumulado. Conseqüentemente, será possível eliminar o encargo mais rapidamente dos consumidores cativos que ainda pagam a conta. No caso das distribuidoras que já amortizaram as perdas, a entrada da receita extra pode resultar em descontos significativos nas contas de luz.