Título: A cláusula de confidencialidade e o trabalho
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2006, Legislação & Tributos, p. E2
"O termo é uma arma a mais do empregador se eventualmente escapar algo que não poderia vazar" Por Leda Maria Costa Chagas
No mundo globalizado e virtual em que vivemos está cada vez mais comum o empregador exigir que os empregados e até mesmo os prestadores de serviço firmem um termo de confidencialidade em razão da alta concorrência, pois ninguém mais está sozinho no mercado. O termo, aos olhos do empregador, dá um certo conforto enquanto as relações de trabalho estão vigentes, tornando-se um pesadelo quando ocorre a rescisão contratual. Isso porque a alta tecnologia e qualidade dos produtos e serviços têm que imperar no mercado, sob pena de se perder o lugar. Assim, a competitividade é algo que tem que estar latente o tempo todo, além de medidas contínuas e agressivas. Em razão dessa competitividade, o termo de confidencialidade acaba se destacando nas relações de trabalho. Não que ele vá solucionar os conflitos que poderão advir, mas é uma arma a mais que o empregador terá se eventualmente escapar algo que não poderia vazar. Referido termo, geralmente, vem revestido de tudo que o empregado deverá manter sigilo, desde o mais simples até o mais complexo ato, dentre os quais podemos destacar a confidencialidade de toda e qualquer informação técnica, industrial, comercial e administrativa, durante a vigência ou após a rescisão do contrato, sob pena de ser responsabilizado civil e criminalmente, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas na legislação trabalhista, especialmente a justa causa. Nesse mesmo passo, são considerados "segredos de empresa", dentre aqueles bens e direitos de propriedade do empregador, a atividade material e/ou intelectual do empregado, como o aperfeiçoamento técnico adquirido durante a vigência do contrato, seja através de prática, seja através de estudos. Diante de tais restrições, passamos a pensar, será que de fato o empregador tem tanto poder assim, a ponto de ter poder até sobre a intelectualidade? Até que ponto tal cláusula restringe o poder de trabalho ou veda esse mesmo trabalho a outro empregador? São questões de relevância que devem ser analisadas separadamente. A primeira delas, não poderia deixar de ser, é o texto constitucional que, em seu art. 5º, inciso XIII, dispõe que: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
O empregado está sujeito a ações penais e de órgãos reguladores; não é tão fácil violar o compromisso assumido
Sendo livre o exercício de qualquer trabalho, salvo as qualificações impostas pelas leis que regem determinadas profissões, a cláusula de confidencialidade seria, a princípio, válida apenas enquanto durasse a relação contratual, já que a rescisão contratual rompe com todo tipo de relação que antes existia. Havendo o rompimento, nada impede que o trabalhador seja contratado por outro empregador para desenvolver, na maioria das vezes, função similar a anterior. Na verdade, eventual revelação de algum dos itens considerados confidenciais teria muito mais característica de ética e moralidade do que as características restritivas do termo de confiabilidade anteriormente assinado, mesmo porque, se causar danos ao antigo empregador, além da tipificação de crime, poderia responder por danos morais e até materiais. O crime se tipifica pela revelação de segredo, conforme disposto no artigo 154, do Código Penal: "Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem", tendo como pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa. Bom observar que tal modalidade de crime somente se procede mediante representação, se não houver a queixa formal e expressa não adianta apenas elaborar o Boletim de Ocorrência. Por sua vez, o dano, pode vir acompanhado da prática de ato ilícito, conforme dispõe o artigo 186, do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e artigo 187. "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Nos dois casos a obrigação de reparação do dano é obrigatória (artigo 927, do mesmo diploma). Tal comportamento não é diferente para aqueles em que a própria profissão impõe o sigilo profissional, a exemplo dos médicos e advogados, sendo sua violação, também, tipificada como crime e ato ilícito. Além dessas penalidades, existem os procedimentos impostos pelo órgão regulador da profissão envolvida (OAB, conselhos federais e regionais), podendo, em certos casos, até perder a capacidade profissional. Como se percebe não é tão fácil violar os compromissos assumidos. Mas como fica o dispositivo constitucional sobre o trabalho ser livre? É livre, sim, enquanto não esbarrar no direito de outrem. Dessa forma, entendemos que a cláusula de confidencialidade não restringe o emprego e a nova contratação, desde que respeitados o sigilo e os termos ajustados no antigo emprego, exatamente para não esbarrar no direito de outrem.