Título: Em decisão inédita, Supremo interrompe depoimento de caseiro à CPI dos Bingos
Autor: Cristiano Romero e Raquel Ulhôa
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2006, Política, p. A5

Por decisão do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, a CPI dos Bingos foi obrigada ontem a interromper o depoimento de Francenildo Santos Costa, caseiro da casa alugada em Brasília por ex-funcionários do ministro Antonio Palocci (Fazenda), quando prefeito de Ribeirão Preto, acusados de diversas práticas de corrupção. Este foi apenas o mais recente, e polêmico, embate entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional desde que foi iniciado o processo de apuração das denúncias contra o PT, o governo Lula e os partidos a ele aliados. Foi a primeira vez, durante toda a crise do mensalão, que um depoimento foi interrompido no meio por uma decisão judicial. Foi a primeira vez, também, que o Supremo calou um depoente que queria falar, quando até agora vinha dando liminares apenas aos que não queriam falar. Na manhã de ontem, o senador Tião Viana (PT-AC) protocolou junto ao STF mandado de segurança para impedir a oitiva de Francenildo que, em entrevistas, afirmara ter visto o ministro Palocci frequentando a casa de Ribeirão Preto. Como a sessão estava marcada para a manhã e a decisão de Peluso demorou a ser proferida, o presidente da CPI prosseguiu com o depoimento até a chegada ao Congresso da notificação. O estrago já estava feito. No tempo que teve, Francenildo confirmou todas as revelações feitas a "O Estado de S.Paulo" em reportagem publicada na terça-feira. Disse ter visto Palocci "umas dez ou vinte vezes" na casa, usada possivelmente para lobby e festas, por ex-assessores da Prefeitura de Ribeirão Preto, Rogério Buratti e Vladimir Poleto. Ele trabalhou na casa entre 2003 e 2004. O caseiro disse ter presenciado a entrega de dinheiro a Ademirson da Silva, assessor especial de Palocci. Segundo o caseiro, Palocci era chamado de "chefe" pelos freqüentadores da casa e ia à casa a cada 15 dias. Ele negou a participação do ministro nas festas da casa, regadas a uísque, embalagens de salaminho, camisinhas e Viagra. Francenildo negou que esteja recebendo dinheiro para acusar Palocci e disse ter a intenção de manter as acusações "até morrer". Peluso aceitou a argumentação do senador petista de que o depoimento de Francenildo extrapola o objetivo central da CPI, de investigar irregularidades relacionadas a bingos. No pedido formulado ao STF, Viana também mostrou preocupação com a "devassa na vida privada" de integrantes do PT. Havia o receio de que Francenildo contasse detalhes de festas realizadas na casa. O STF tem concedido liminares a diversos depoentes. Na quarta-feira, o publicitário Duda Mendonça passou quase cinco horas sem responder a qualquer pergunta na CPI, protegido por um salvo conduto conquistado no Supremo. Integrantes das CPIs e a oposição fizeram duras críticas a Tião Viana e à interferência do STF. "Eu lamento muito que um senador integrante da mesa diretora do Senado tenha pedido ao Supremo que influa em questões internas do Legislativo. O Senado ficou menor hoje", disse Efraim Moraes. "A base do governo aprovou ontem (quarta-feira) a convocação do Francenildo. O requerimento foi aprovado por unanimidade. Agora, pedem o impedimento da oitiva. O Congresso foi desmoralizado", protestou o líder do PFL, José Agripino. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) pediu atenção dos colegas a um projeto apresentado por ele sobre liminares concedidas pelo Supremo. Pela emenda constitucional do tucano, uma decisão como essa só poderia ser proferida em decisão do plenário do Supremo, sem a possibilidade de definições monocráticas. "Questões sobre o Congresso só poderiam ser analisadas por todos os ministros", afirmou. Para evitar qualquer problema futuro, Agripino e o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), decidiram iniciar ontem a coleta de assinaturas para ampliar o foco da CPI. Efraim não apóia a idéia. "A CPI não saiu do foco em hipótese alguma. Estamos perto de estabelecer a conexão entre bingueiros e integrantes do governo", reiterou. Ao presidente da CPI basta um recurso ao STF para cassar a liminar concedida a Tião Viana. O petista, inclusive, se defendeu das acusações dos colegas. "Eu procurei o STF para proteger o Regimento Interno do Senado e o respeito à Constituição. Não entendo as críticas", afirmou. Líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) defendeu a ação de Viana e do STF. "Não podemos achar ruim quando se cumpre a Constituição. CPI tem que ter fato determinado".