Título: Fábrica de chip vira prioridade do governo
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2006, Empresas &, p. B2

TV digital Pressa pela definição do padrão e o caráter técnico das discussões ficaram em segundo plano

Para satisfação de quem defendia mais tempo na definição do padrão de TV digital a ser adotado no país, o governo brasileiro mudou sutilmente o tom das negociações nos últimos dias. Segundo relatam fontes que participam do processo de escolha da tecnologia, ninguém no Palácio do Planalto está pensando em adiar indefinidamente o anúncio do sistema, mas a pressa pela definição e o caráter mais técnico das discussões cederam espaço a uma nova prioridade: a instalação de uma fábrica de semicondutores no Brasil, com pesquisa e desenvolvimento local, e não apenas a montagem de peças e componentes importados. Nessa avaliação, ouvida pelo Valor em um dos ministérios que têm sido mais atuantes nas negociações, leva a disputa quem se comprometer em trazer uma fábrica para o Brasil. Nas discussões da semana passada e desta semana, os japoneses do consórcio responsável pela tecnologia ISDB pediram um prazo de seis meses a um ano para dar uma resposta definitiva sobre a eventual instalação de uma planta industrial. Os europeus querem mais tempo para concluir o que chamam de "estudos de viabilidade": de um ano a 20 meses. "Eles estão praticamente em situação de empate", afirma a fonte. O governo não aceita esperar todo esse tempo para ter uma resposta, mas entende que investimentos desse porte não podem ser definidos a toque de caixa. Um dos problemas que surgiram recentemente foi a constatação dos próprios ministros que o governo não tem um diagnóstico preciso dos incentivos que é capaz de oferecer para atrair a produção de semicondutores. Por isso, ontem mesmo foi montado um novo grupo de trabalho, mais técnico, com a atribuição de definir incentivos. O grupo é formado por funcionários da Casa Civil, da Fazenda, do Desenvolvimento, da Ciência e Tecnologia, das Comunicações e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Terá a missão de avaliar que concessões o governo poderá fazer. A intenção é dizer aos possíveis investidores algo que nem mesmo os ministros sabem com precisão: quais as tarifas de importação podem cair, o nível de redução de impostos como o IPI, a capacidade de suprimento de mão-de-obra e de formação de pesquisadores. A prioridade dada à atração de uma fábrica de semicondutores segue uma recomendação do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), que analisou os três padrões de TV digital e não colocou nenhum deles em grande vantagem sobre outro. A sugestão do CPqD é reforçar o peso das contrapartidas comerciais no processo de definição. Essa posição tem sido especialmente defendida pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, nas discussões internas. Nos últimos dias, Furlan teria ganhado dois aliados: a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro da Cultura, Gilberto Gil. O argumento é de que talvez nunca mais o Brasil terá uma oportunidade tão grande de usar uma opção de governo (a escolha do padrão de TV digital) para desenvolver a sua política industrial e conseguir atrair a produção local de chips, sonhada desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Essa nova posição agrada à Argentina, que espera tomar uma definição conjunta com o Brasil. Segundo o Valor apurou, o governo argentino tem condenado declarações de funcionários brasileiros a favor do padrão japonês e acredita que elas são contraproducentes para negociar as contrapartidas. Em reunião ontem com técnicos do governo, executivos da empresa franco-italiana ST Microelectronics disseram que vão entregar uma proposta, na próxima semana, para balizar as discussões sobre uma fábrica de semicondutores. Hoje, o secretário-assistente do Departamento de Estado, David Gross, fará um pronunciamento sobre a definição da TV digital.