Título: Vencida pelos percalços, AOL deixa o Brasil
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2006, Empresas &, p. B3

Internet A partir de hoje, quem acessar o serviço da companhia será transferido para uma página do Terra

O jornalista aposentado Milton Camargo Cesar levou um susto, no início do ano, quando soube da notícia: o provedor de serviços de internet AOL, do qual ele era cliente há cerca de três anos, iria fechar as portas no Brasil. A inquietação, porém, durou pouco: Cesar, que acaba de passar por uma cirurgia da visão, diz que tem navegado pouco na web e ainda não se preocupou em procurar um novo provedor. "Quando melhorar, acho um", afirma ele, sem vestígios de que vai sentir saudade. É um triste epitáfio para a marca no Brasil: a AOL desembarcou no país em 1999 - em plena euforia pontocom -, como uma candidata a assumir a liderança do negócio de acesso à internet. Despede-se oficialmente hoje, depois de uma carreira acidentada, sem muita gente para lamentar seu fim. Quem entrar no site será automaticamente redirecionado para uma página do portal Terra, que fechou um acordo internacional para acolher os assinantes da ex-rival no Brasil. Nas instalações da AOL em Santo André - onde foi concentrada a equipe depois do fechamento do escritório central em São Paulo -, ainda trabalham 120 pessoas, 50 delas no atendimento dos assinantes. A metade da equipe é de funcionários diretos da AOL; os demais são terceirizados. No tempo das vacas gordas, só a equipe responsável pela produção de notícias somava 40 pessoas. As demissões dos remanescentes devem começar no início de abril e serão feitas paulatinamente para garantir a presença de técnicos e atendentes por mais algum tempo. Na prática, o fim do serviço no Brasil marca o desaparecimento da AOL Latin America (Aola), uma empresa com sede nos Estados Unidos e que já chegou a ter suas ações negociadas na Nasdaq, a bolsa eletrônica americana. Criada pela AOL Inc. - que depois da fusão com a Time Warner se transformaria em parte do conglomerado resultante da operação - e pelo grupo venezuelano Cisneros, a Aola ganhou um impulso importante no país com a entrada do banco Itaú, pouco tempo antes da abertura de capital nos EUA. Para a Aola, o Brasil era a jóia da coroa. O operação brasileira foi a primeira da companhia e, agora, torna-se a última a desaparecer. Na Argentina, o negócio foi vendido para a Datco, uma empresa de tecnologia local, e no México os ativos contábeis foram transferidos para a Nextel, embora restem dúvidas sobre o que acontecerá com a equipe mexicana, que desde a transferência estava sob responsabilidade direta da Aola. Em Porto Rico, os negócios foram assumidos pela AOL americana. A chegada da AOL ao Brasil foi cercada de pompa, mas logo a companhia derrapou. Nas primeiras semanas, muitos clientes começaram a reclamar de que o CD de instalação prejudicava seus computadores. Para piorar, um lote dos discos trazia músicas do grupo de pagode Raça Negra, em vez do programa de instalação da AOL. A grita foi geral. "A experiência mostra que só dinheiro não basta. Houve erros estratégicos", diz o executivo de uma empresa de internet. "A massificação inicial dos CDs e os problemas decorrentes atrapalharam, mas o fim da AOL no país é ruim para o mercado", afirma o diretor de outra companhia do setor. Gastos excessivos de marketing e uma postura rígida demais também são apontados, mas a maior dificuldade parece ter sido a própria natureza do serviço. Em vez de usar um navegador padrão, como o Internet Explorer, da Microsoft, os assinantes tinham de instalar um programa exclusivo da AOL. "O programa não era compatível com outros navegadores. Era necessário optar por um deles", diz Ednilson Macedo, que atuou como editor no serviço de notícias da AOL. Outro problema é que, durante muito tempo, os serviços eram fechados a assinantes, o que restringia a audiência, diz Macedo. Apesar do crescimento inicial - a Aola chegou a reunir mais de um milhão de usuários, nem todos pagos - logo ficou claro que as dificuldades não eram momentâneas. Em um relatório de 2002, o Itaú reconhecia que entre agosto de 2000 e setembro daquele ano, o valor das ações que detinha na Aola caiu de US$ 454,9 milhões para US$ 34, 9 milhões. Ou seja, os papéis viravam pó rapidamente. Hoje, a dívida da Aola, segundos dados recentes, é de US$ 1 bilhão, sendo a AOL Inc. a maior credora. No Terra, a migração dos ex-assinantes da AOL tem ocorrido em um ritmo positivo, mas considerado normal. "Não precisamos reforçar a infra-estrutura", diz Richard Schnarndorf, diretor de pós-vendas residenciais do portal. Apesar da despedida discreta, a AOL não prescindiu de um velório. Ontem, 30 ex-funcionários eram esperados por Macedo em seu bar Exquisito para o que ele definia como uma reunião carinhosa para "beber o morto". A noite terminaria no Vegas, de Facundo Guerra, que o abriu depois de sair da AOL.