Título: Serra sobe o tom
Autor: Rothenburg, Denise; Rizzo, Alana; Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2010, Política, p. 2

Durante encontro com empresários, tucano critica a falta de planejamento do governo e de investimento em infraestrutura. Dilma prefere focar as ações de Lula

Sentindo-se literalmente em casa durante o encontro dos presidenciáveis na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o candidato do PSDB, José Serra, aproveitou para subir o tom das críticas em relação ao governo e, por tabela, chamar os concorrentes para um debate. Serra criticou a falta de planejamento do governo, de investimento em infraestrutura, a ausência de uma política de concessões nessa área e, ainda, a proposta de reforma tributária defendida por Lula, que consagrava a isenção de ICMS das importações e provocou risos na plateia: Essa é do Peru. Cria emprego, só que em outros países, disse Serra, solto e descontraído, dizendo-se ainda ávido para chegar ao governo para cortar. Tem uma obesidade que dá gosto, disse, esfregando as mãos.

A crítica(1) não é nova. O pré-candidato já tinha condenado o loteamento das agências reguladoras do governo, da Infraero e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no governo Lula. Desta vez, o tucano foi mais incisivo e cobrou a participação da sociedade e da opinião pública numa ofensiva contra o apadrinhamento político. A receita, segundo Serra, está em Minas. É gastar menos com a máquina e mais com a população, disse, repetindo o bordão do ex-governador Aécio Neves, cotado para vice na chapa do PSDB.

Serra, que admitiu ter cometido erros na pré-campanha, falou logo depois da candidata do PT, Dilma Rousseff, e antes da senadora Marina Silva (PV). Dilma, que, apesar de ter no seu palanque o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto (PTB), como candidato ao Senado em Pernambuco, não estava tão à vontade. Ela optou por um discurso focado nas ações do governo Lula, em que defendeu a política macroeconômica, mas, ao mesmo tempo, classificou o sistema tributário de caótico. Citou a reforma tributária como a reforma das reformas e se referiu aos governos anteriores ao de Lula como um período de apagão do projeto básico.

Alfinetadas Marina Silva procurou demonstrar familiaridade com um setor em que é muito pouco conhecida e não dispensou alfinetadas nos dois concorrentes. Em São Paulo, leva-se três meses para criar uma empresa. Em Minas Gerais, 19 dias. Não faltam boas ideias no Brasil que podemos adotar para desenvolver e criar empregos, afirmou a candidata. Disse ter ficado triste com o fato de Ciro Gomes (PSB) ter sido interditado como candidato e comentou que, no primeiro turno, deve-se votar com o coração, com quem considera melhor, e no segundo, a gente se desvia do pior, afirmou, aplaudidíssima, ao se despedir dos empresários.

Cada candidato levou a sua claque. Dilma, por exemplo, contou com o apoio do ex-ministro da Fazenda deputado Antonio Palocci; do ex-prefeito de Belo Horizonte; Fernando Pimentel; do deputado Rocha Loures (PMDB-PR); a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC); do líder do PT, Fernando Ferro (PE). Serra também não estava sozinho. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), citado com um possível nome para compor a chapa, ficou na primeira fila. Por ali, estavam ainda o ex-líder do DEM Ronaldo Caiado; o presidente do PPS, Roberto Freire; a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que, nos bastidores, levou a filha para tirar fotos com o candidato. Marina estava acompanhada de deputados do partido e do ex-presidente do Ibama Basileu Margarido.

Cada um achou que o seu presidenciável foi melhor, mas os empresários deixaram claro que dificilmente vão mudar de candidato depois das exposições de ontem. Um deles disse que Dilma não propôs nada de novo, se surpreendeu com Marina Silva, mas, reservadamente, disse que Serra é visivelmente mais preparado. Outro disse que a chapa perfeita era Marina como vice do tucano. Já Monteiro Neto foi mais contido: Ele levou vantagem porque falou depois de Dilma e tem mais conhecimento entre os empresários. No geral, todos se saíram bem, concluiu.

1 - Análise Para Valeriano Mendes, professor de ciência política da Unicamp, apesar das duras críticas feitas por Serra, o embate direto com o presidente Lula, cujo governo tem amplo apoio da sociedade, é evitado. Isso porque, temas de maior apelo popular, como a criação de empregos e o Bolsa-Família, não devem receber o mesmo tratamento do pré-candidato tucano. Ele tem que criticar aquilo que não provoca muita marola. É uma atitude para dizer que está vivo, que está na batalha, mas essa postura é quase defensiva, disse Mendes. No mês de maio, o Serra declinou e a Dilma cresceu. É claro que ele vai ter que mudar a tática e a estratégia para retomar (a intenção de votos nas pesquisas), disse o cientista político David Fleischer.

Fuga do confronto

Orientada pelo presidente Lula, a pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, não quer saber de debates diretos com os adversários nessa fase da pré-campanha. Ontem mesmo na Confederação Nacional da Indústria (CNI), a ideia inicial dos empresários era um confronto direto entre os três, só que o comando de campanha de Dilma recusou a oferta. Os organizadores, então, partiram para o modelo adotado em outras oportunidades em que os três se encontraram: cada um faz uma exposição, responde a perguntas e deixa o auditório para o próximo concorrente.

A candidata petista tem recusado todos os convites de debates, inclusive da construção civil, que deve fazer um parecido com o da CNI. A ideia de Lula é deixar Dilma fora do confronto e aproveitar a lufada de ar nas últimas pesquisas para tentar consolidar uma liderança e organizar os palanques, ficando os debates para um momento em que ela estiver numa posição em que o comando de campanha considere mais confortável. Seus adversários, no entanto, desejam o oposto. É uma pena que não haja esse confronto, afirmou Marina Silva (PV). A população precisa de debates de ideias justamente para poder comparar as propostas nas mais diversas esferas e hoje temos um isolamento de cada um, afirmou José Serra.

Vamos propor um debate ao longo da campanha, comentou o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, Robson Andrade, que assume a Presidência da CNI a partir do mês que vem, quando o atual comandante da Confederação, Armando Monteiro Neto, deixa o cargo para se dedicar à campanha para o Senado em Pernambuco. (DR)

O número

25 minutos

Tempo que cada presidenciável teve para apresentar suas ideias aos empresários. Depois, a plateia fez três perguntas a cada um deles, além de cinco minutos de considerações finais.

Marina contra polarização

Última presidenciável a falar no evento, a senadora Marina Silva (PV-AC) fugiu do debate econômico e preferiu, mais uma vez, reforçar o discurso de que as eleições não devem ser polarizadas entre os pré-candidatos do PT e do PSDB. Diante de uma plateia de empresários, lembrou a presença em sua chapa de Guilherme Leal, da Natura, e ressaltou nomes de economistas renomados que a auxiliaram na elaboração das propostas econômicas, como Eduardo Gianetti, Ricardo Paes de Barros e Paulo Sandroni.

Apesar do desgaste da plateia após a fala de dois presidenciáveis, Marina soube aproveitar as vantagens de ser a última a discursar e fez críticas ao posicionamento dos adversários. Se nós viermos para cá, os candidatos, um para dizer que tudo já foi praticamente feito e outro para dizer que tudo pode ser feito praticamente sozinho, a gente não mobiliza o melhor e o maior deste país, alfinetou.

A pré-candidata do PV elencou os principais desafios para o Brasil e destacou, entre eles, o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Mas foi a defesa de uma reforma tributária, sem falsas expectativas, que motivou os primeiros aplausos. As pessoas assumem o compromisso com a reforma e, depois que ganham, fazem a reforma do compromisso, e não a que precisa fazer, disse a senadora.

Entre os empresários, após o encerramento do encontro, a opinião era de que a senadora não fez um discurso dentro do ponto de vista econômico, mas nem por isso deixou de receber elogios pelo tom emotivo de sua fala. No primeiro turno, a gente vota em quem acredita, em quem o coração da gente acha que é o melhor para o Brasil, para os nossos filhos, para os nossos netos, para o futuro que a gente quer antecipar agora. No segundo turno, a gente se desvia do pior, afirmou, nas considerações finais. (FF)