Título: BC conservador ajuda a derrubar o dólar
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2006, Finanças, p. C2

Escrita pelos vencedores, a ata da última reunião do Copom do Banco Central mudou o placar divergente de seis votos a favor do gradualismo e três em prol da aceleração do desaperto monetário. Ao desautorizar qualquer sinal de que em abril o Comitê irá aumentar o tamanho do corte da Selic para um ponto percentual, a ata transformou o dissenso anterior em consenso. Trata-se de um documento ultraconservador, cujo tom geral não seria em quase nada diferente se a decisão tivesse obtido unanimidade. Com a ata, o BC forja o consenso de mercado para a reunião do dia 19 de abril: nova redução homeopática de 0,75 ponto percentual. Mas abre, inesperadamente, a possibilidade de o corte voltar a ser de 0,50 ponto. A reação foi alta generalizada dos juros negociados no mercado futuro da BM&F e queda do dólar em um dia já propício à valorização cambial por causa da distensão externa e da reabertura de bônus brasileiro que vence em 2.037. A ata ultra-ortodoxa pegou de surpresa o pregão de DI futuro da BM&F e inverteu a persistente e acelerada rota de queda dos juros. Todos os contratos fecharam em alta. Para a virada de abril, o CDI subiu de 16,31% para 16,32%. Para a virada do semestre, o contrato avançou de 15,74% para 15,77%. A posição mais negociada (R$ 19,43 bilhões), para a passagem de ano, evoluiu de 14,96% para 15%. A resistência rebelde ainda se concentra no swap de 360 dias. Teimosamente, o juro nominal se manteve em 14,85%, sustentando juro real de um dígito. Na opinião do diretor da Modal Asset, Alexandre Póvoa, no momento em que a ata faz a descrição dos votos dos membros do Copom, "ficou a nítida impressão de que o texto foi escrito pelos vencedores e não pelos vencidos". A capitulação dos três diretores dissidentes que voltaram pelo corte de um ponto torna-se constrangedora quando a ata frisa que os três admitem que os próximos passos da política monetária "estarão condicionados à evolução dos indicadores de inflação e suas projeções". O recado é de que será mais provável que os três voltem a acompanhar o grupo dos seis do que algum destes venha a reforçar a dissidência.

Ata indica corte de 0,75 ponto em abril

Aparada a dissonância, a ata reitera o temor de que o afrouxamento monetário venha a prejudicar os efeitos da política monetária sobre a inflação. E surpreende ao afirmar que, após o declínio promovido desde setembro, a Selic já está próxima da taxa de equilíbrio. Os seis diretores majoritários decidiram baixar o juro em 0,75 ponto porque há uma "menor distância entre a taxa básica de juros corrente e as taxas de juros que deverão vigorar em equilíbrio no médio prazo". Isso abre a janela para um corte de 0,50 ponto em abril. No entender do diretor da NGO Câmbio, Sidney Nehme, a ata deixa evidente que "há um forte medo de errar na calibragem da queda da taxa Selic". Na sua opinião, trata-se de "insegurança mesmo, do tipo que faz o medo aumentar". A sinalização dada ontem pelo Copom de que a rentabilidade dos papéis brasileiros continuará atrativa a arbitragens e especulações promovidas pelo capital estrangeiro coincidiu com a divulgação de um índice de inflação nos EUA que restaurou a confiança de que o ciclo de alta dos juros americanos está perto do fim. O núcleo do índice ao consumidor (CPI) de fevereiro subiu 0,1%, abaixo da expectativa dos analistas, de avanço de 0,2%. Prevalece agora a previsão de que o Fed irá subir o juro básico para 4,75% no próximo dia 28, e parar por aí. A taxa não chegará aos temidos 5%. Os juros dos treasuries de 10 anos tombaram ontem de 4,73% para 4,66%. A situação do câmbio torna-se potencialmente perigosa depois desses dois fatos. O risco de um desabamento do dólar aumenta porque os bancos privados substituíram o BC na tarefa de recolher as sobras de moeda do mercado. Como o BC só comprou cerca de US$ 1 bilhão do fluxo cambial superavitário em US$ 3,39 bilhões registrado nos oito primeiros dias úteis de março, os bancos elevaram suas posições compras para US$ 2,4 bilhões. O risco consiste numa desova abrupta desses posições. Ontem o dólar caiu 0,56%, para R$ 2,11, o menor preço desde março de 2001.