Título: Cresce desgaste de Roberto Rodrigues
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2006, Política, p. A5

Ainda mergulhado em disputas internas, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, tem admitido a amigos e colaboradores, com mais freqüência, que poderá mesmo deixar o governo caso não consiga "medidas concretas e tempestivas" para amenizar a atual crise vivida pelo setor agropecuário. Desgastado no Palácio do Planalto desde o frustrado acordo com os usineiros para frear a escalada dos preços do álcool no país, o ministro está descontente. Segundo fontes próximas a ele, o prazo final para que seus pedidos sejam atendidos seria o fim de abril. Em público, Rodrigues nega condicionantes para permanecer no cargo. Diz ter apoio das lideranças rurais e compromisso com o presidente Lula. Em contrapartida, sabe que tem sido muito cobrado pelos lobbies políticos por um novo e amplo socorro ao setor rural. Em audiência pública na Câmara na semana passada, Márcio de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e um dos principais aliados do ministro, afirmou com todas as letras que ele deveria deixar o cargo se o governo demorar a adotar as medidas de auxílio ao setor pedidas. Além disso, com a radicalização da campanha eleitoral os ministros terão que defender a gestão de Lula, e como o setor considera ter sido abandonado, será difícil angariar apoio na área. Rodrigues já disse que não participará do próximo governo, seja ele qual for. Uma eventual saída do ministro nas próximas semanas não seria tranqüila. Ele é considerado importante porque tem servido como "amortecedor" diante dos discursos inflamados dos ruralistas de oposição. De olho nas eleições, os líderes ruralistas querem recursos imediatos para auxiliar a comercialização da atual safra, que começou a ser vendida neste mês. Em fevereiro, foi cortado R$ 1 bilhão do Orçamento para esse fim. O ministério só tinha R$ 650 milhões, já os gastou e não tem mais verba. Apesar da febre aftosa e da ameaça da gripe aviária, a Defesa Agropecuária também ficou sem R$ 100 milhões adicionais. O plano de Rodrigues inclui a prorrogação, para o fim dos contratos de 20 anos, de todas as dívidas vencidas em 2005 e em 2006 que já foram renegociadas em anos anteriores. Isso daria gás aos produtores, mas a área econômica é contra. O Ministério da Fazenda também resiste em zerar o PIS-Cofins sobre todos os insumos do setor rural e a aumentar o volume de recursos com juros subsidiados pelo Tesouro no Plano de Safra 2006/07, previsto para junho. Em outra frente desgastante, Rodrigues trava importante disputa com o colega Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário): a mudança nos índices de produtividade para fins de desapropriação para a reforma agrária. Rossetto deve se candidatar ao governo gaúcho e, para angariar apoio nos movimentos sociais, insistia em anunciar a mudança durante uma conferência das Nações Unidas sobre reforma agrária, realizada em Porto Alegre, no início deste mês. O debate apavora o setor rural. Com produtividade em queda, as lideranças vêem a alteração como senha para a saída do ministro. Rodrigues recorreu a Lula para mediar a divergência. "Ele só obteve um adiamento. O outro lado não desistirá fácil", afirma o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Ronaldo Caiado (PFL-GO). Outro conflito interno mediado pelo presidente Lula resultou em desgaste de Rodrigues com lideranças do agronegócio. A decisão de Lula pela expressão "contém" organismos geneticamente modificados na conferência mundial sobre o Protocolo de Biossegurança de Cartagena. Lula havia garantido a opção pelo rótulo "pode conter" transgênicos no transporte transfronteiriço de cargas agrícolas, mas recuou e cedeu à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para preservá-la de uma derrota diante de ONGs ambientalistas. Discutida até a noite de sexta-feira em evento em Curitiba, a proposta de Marina só valerá daqui a quatro anos e precisará ser ratificada pelo Senado. "Ela ganhou, mas não levou. Mas desgastou o ministro com sua base", afirma o deputado Abelardo Lupion (PFL-PR). Na avaliação de alguns interlocutores de Rodrigues, houve uma progressiva perda de apoio do ministro no setor. Hoje, ele é unanimidade entre produtores de cana e laranja. Nos grãos e nas agroindústrias, é alvo de queixas. Principalmente nos grãos, pela escassez de "medidas concretas" de socorro. Em 2005, o ministro não conseguiu do governo os recursos para a comercialização da safra. Os preços caíram ainda mais e Rodrigues teve que ouvir muita reclamação. Também o ressurgimento da febre aftosa no país, no ano passado, resultou em divergências entre Rodrigues e Antonio Palocci (Fazenda) sobre a lentidão na aplicação de recursos em defesa. E a demissão do presidente da Embrapa, Clayton Campanhola - afiliado do assessor especial da Presidência, José Graziano -, em janeiro de 2005, virou pretexto para embates ideológicos entre os partidários da agricultura familiar contra os defensores dos agronegócios. Para fontes próximas a Rodrigues, a saída de José Dirceu do governo o enfraqueceu. Quando estava à frente da Casa Civil, Dirceu costumava apoiar o colega e foi vital, por exemplo, para a legalização da soja transgênica no país.