Título: Reforma fiscal exige debate sobre novo papel do Estado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2006, Opinião, p. A14

Já é consenso entre os economistas do governo que o país não terá crescimento econômico nos padrões atuais da China ou da Índia enquanto impuser sobre o setor privado uma carga tributária de quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dois principais candidatos à presidência da República, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, colocaram no topo das suas listas de prioridades a reforma tributária. A iniciativa de ambos é muito bem-vinda. Como deixou claro Alckmin na quinta-feira: "A primeira reforma que eu faria é a tributária. Mais de 38% do PIB de carga tributária é o dobro da Argentina, o dobro do México e o dobro do Uruguai. Você está com uma bola de ferro aí que exige juros muito altos e piora a situação fiscal". Apesar de ser uma medida necessária, há que se colocar a reforma tributária no seu devido lugar e ela deve, pela lógica, ser precedida da discussão sobre qual Estado o país quer. Será muito difícil fazer uma reforma tributária para valer - e as tentativas dos últimos dez anos mostram isso - sem que se voltem os olhos, primeiramente, para a situação do gasto público e as competências entre os três níveis da federação: União, Estados e municípios. A carga de impostos e contribuições está do tamanho atual para sustentar as despesas do Estado, que não param de crescer há mais de uma década. Entre 1991 e 2005, os gastos primários (excluídos os encargos financeiros) do governo central saltaram de 14% para a casa dos 23% do PIB. Para financiar a despesa crescente, prática que ocorreu durante os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso e que permaneceu na mesma toada nos três primeiros anos de governo Lula, a carga tributária teve que assumir elevação exponencial. A soma de todos os tributos cobrados nas três esferas de governo - União, Estados e municípios -, que em 1991 representava 24,43% do Produto Interno Bruto, hoje supera os 38% do PIB, segundo as contas nacionais do IBGE,. O mesmo setor público que se financia com os impostos é o responsável pela apropriação, igualmente para financiar seu ímpeto fiscal, de cerca de 51% do crédito bancário total do país, segundo dados de um estudo elaborado pelo economista David Hauner, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesse "ranking" negativo, o Brasil só perde, no grupo das nações emergentes e em desenvolvimento, para a Argentina (57%), México (54%) e Turquia (64,7%). Além da redução da taxa de juros, fato que já vem ocorrendo e que naturalmente, com o tempo, vai desinflar as contas públicas dos pesados encargos financeiros, é nítida a percepção de que a estrutura do gasto público está desequilibrada e que chegou o momento de controlar a sua expansão. O que se observa desde o início dos anos 90 é uma sistemática elevação da despesa acompanhada da intensificação de um leque de problemas que demandam medidas saneadoras, tais como: a explosão do gasto com a previdência social, a ampliação das vinculações orçamentárias, a forte queda dos investimentos públicos e a elevação dos gastos com os idosos, em detrimento das crianças, fato que denota uma inversão de prioridades para um país que necessita investir, em capital humano. Até a edição do Plano Real, o Estado se financiou com a superinflação. Com a estabilização dos preços, passou a se financiar pela expansão do endividamento público e, em seguida, pelo aumento da carga tributária. Para efetuar uma reforma tributária que não só dê mais racionalidade aos impostos como aponte para uma paulatina redução da carga, portanto, será preciso, primeiro, colocar um freio na evolução do gasto e uma medida nessa direção seria impor tetos para a relação entre as despesas correntes e o PIB. Uma primeira iniciativa nessa direção foi tentada quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada no ano passado, determinou que a partir deste ano a despesa corrente do governo federal não pode superar a 17% do PIB. Mas tal determinação legal tornou-se frágil a partir do momento em que se colocou, na mesma lei, que os gastos que forem financiados por excessos de arrecadação estão fora desse limite.