Título: O Brasil está passando por uma mudança?
Autor: Sérgio Werlang
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2006, Opinião, p. A15

A eleição do presidente Lula representou uma grande conquista institucional dos brasileiros. De fato, o país elegeu um presidente de esquerda que não apelou ao populismo macroeconômico. Na América Latina isto não é comum. Com a honrosa exceção do Chile, a esquerda latino-americana tende a privilegiar os ganhos de curto prazo, prejudicando o futuro de seus países. Exemplos de políticas deste tipo são: calote de dívida externa e/ou interna; congelamento de preços, especialmente de combustíveis e energia elétrica; expropriação pelo Estado de propriedade privada; e alteração unilateral de contratos de concessões vigentes. Algumas destas políticas têm sido vistas na Venezuela, na Argentina, no Equador e na Bolívia. No governo Lula nada disto aconteceu. Esta grande "inovação" observada no Brasil refletiu-se primeiro no risco externo. Quando um país emite um título de renda fixa em moeda estrangeira no exterior, a taxa de juros deste reflete o risco que os compradores atribuem ao não pagamento. Se os investidores acham que é grande a possibilidade de não receberem seus recursos, vão exigir taxas de juros também elevadas. Por conveniência, se o título é emitido em dólares, supõe-se que o governo norte-americano seja a referência, e tenha risco zero. Desta maneira, uma forma simples de medir o risco externo de um país é através da diferença entre a taxa de juros de seus títulos externos e dos títulos do governo norte-americano. Ocorre que essa diferença chegoua 24% ao ano em 2002, durante a campanha eleitoral. Naquela época, ainda havia dúvidas sobre as políticas públicas que seriam escolhidas pela esquerda, que tinha grande possibilidade de ser eleita. Desde 2003 foi-se vendo que as típicas políticas populistas que são empregadas na América Latina não o seriam no Brasil. E isto refletiu-se no risco externo. A média em 2003 do risco-Brasil foi 8,4% ao ano; em 2004, de 5,4%; em 2005, 4,0% e em 2006 o risco está em média 2,5% (o último valor é de 2,2%). A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também refletiu-se na taxa real de juros de longo prazo. Os títulos indexados ao IGP-M que têm vencimento em 2031 tiveram as taxas reduzidas. Em dezembro de 2002 a taxa era de 10,7% ao ano. No fim do ano passado estava em 8,6% ao ano.

A eleição de Lula, um presidente de esquerda que não apelou ao populismo macroeconômico, representou uma grande conquista institucional

A grande novidade recente é que esta taxa (assim como a taxa de juros nos títulos longos indexados ao IPCA) caiu muito nas últimas semanas. Não há dúvida de que isto foi impulsionado por uma modificação na regra do Imposto de Renda que foi proposta pelo Secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Essencialmente, através da Medida Provisória nº 281, de 15/02/2006, foi feita a isenção para investidores estrangeiros do Imposto de Renda sobre títulos públicos. Dessa forma, atraíram-se para o Brasil os investidores institucionais (fundos de pensão, principalmente) internacionais, que têm interesse em fazer aplicações de longo prazo. O governo deveria ter estendido a medida para títulos emitidos pelo setor privado, permitindo também o acesso destes investidores às empresas brasileiras. Aliás, este é o objeto da emenda proposta à MP 231 pelo deputado Delfim Netto. Os investidores estrangeiros são uma importante fonte de recursos que deveria ser também acessível ao setor privado nacional. O impacto desta alteração na legislação foi imediato: causou uma queda adicional na taxa destes títulos longos, que está oscilando entre 7% e 7,8% ao ano, níveis nunca antes observados. Se esta mudança mostrar-se permanente, e para tal basta que o governo mantenha (e intensifique, se possível) a austeridade fiscal e evite as políticas populistas, o momento atual é especialmente importante. Isto porque, finalmente, nosso país começa a viver um período de taxas de juros reais mais baixas. Se a mudança consolidar-se, as conseqüências serão muito grandes: o custo de financiamento de longo prazo vai baratear muito. Projetos de longo prazo poderão ser executados pelas empresas privadas a um custo muito competitivo. Além disso, o mercado imobiliário terá uma grande expansão. Um outro aspecto a ser considerado é o seguinte: como a taxa de longo prazo da economia terá sido alterada (de novo, caso mostre-se permanente a mudança), então a taxa de juros de curto prazo da economia brasileira já está muito elevada. Com efeito, o juro de longo prazo nos títulos indexados caiu de 1% a 1,5% ao ano em um curto espaço de tempo e a taxa de juro real de 1 ano (taxa de juros para 1 ano menos a inflação esperada) ficou praticamente estável em 10% ao ano. Assim sendo, a diferença entre a taxa real de curto prazo e a de longo prazo ampliou-se consideravelmente no passado recente. Ou seja, se a alteração observada nas taxas longas brasileiras for permanente, em termos relativos a política monetária ficou mais apertada. Ou ainda, a taxa "neutra" da economia brasileira, isto é, a taxa de juros que faz com que a inflação fique estável, diminuiu. Neste caso, o Banco Central deveria levar em consideração esta informação e aumentar o corte das taxas de juros. Os riscos externos já caíram muito. O mesmo aconteceu com a taxa de juros real de longo prazo em nosso país, tendo esta queda sido acelerada por decorrência da MP 281, de 15/2/2006. Para que esta diminuição dos juros não seja um fenômeno passageiro, e até mesmo seja intensificada, é fundamental a manutenção (ou, melhor ainda, o aprofundamento) da austeridade fiscal. Além disso, o governo deve fugir das políticas econômicas populistas, tão comuns nos países que são nossos vizinhos. Sendo confirmada a mudança na percepção de risco da economia (ou seja, a redução do risco), o Brasil vai sofrer profundas e boas modificações. Estas tornarão muito mais atraentes os investimentos em ativos reais no país. É um momento muito interessante pelo qual passamos.