Título: Mercados derretem
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2010, Economia, p. 10

Ameaça de guerra entre as Coreias do Sul e do Norte, somada às turbulências na Europa, espalha pânico no mundo e leva bolsas de valores para os menores níveis em quase oito meses

Os investidores viveram ontem momentos de grande tensão em todo o mundo, com a ameaça de uma guerra nuclear entre as Coreias do Sul e do Norte e o risco de que a crise europeia se alastre pelo planeta via sistema bancário, como ocorreu em 2008, depois da quebra do banco norte-americano Lehman Brothers. O resultado foi a queda generalizada nas bolsas de valores, alta do dólar, derretimento do euro e valorização do ouro.

O pânico, disseminado a partir da Ásia, abateu a bolsa sul-coreana, que chegou a cair 4,5%, mas fechou em baixa de 2,8%, no menor nível desde 8 de fevereiro, depois que o Banco Central local interveio para conter a desvalorização da moeda, o won, que já caiu 13% frente ao dólar neste mês. Em Hong Kong, o tombo foi de 3,47%, no Japão, de 3,05%, e na China, de 1,90%. Com isso, esses mercados voltaram aos patamares de outubro de 2009.

A tensão aumentou ainda mais com a desconfiança em relação ao sistema financeiro europeu. Os investidores passaram a temer uma nova onda de quebradeira de bancos, como se viu no fim de 2008. Já debilitadas, as bolsas da Europa desabaram depois que a Alemanha voltou a defender medidas mais rigorosas contra as vendas a descoberto de ações (quando o investidor vende sem possuir o papel). Há pouco mais de uma semana, aquele país já havia restringido parte dessas operações (leia mais nesta página). Nesse contexto, o mercado da Espanha teve queda de 3,1%. Na Itália, as perdas chegaram a 3,4% e, na Alemanha, a 2,3%. A bolsa francesa caiu 2,9%. A inglesa, 2,5%. E a portuguesa, 2,75%.

Quando o investidor está arisco, qualquer barulho dá a impressão de que o mundo está se desmanchando, disse Rossano Oltramari, analista-chefe da XP Investimentos. Por isso, o Brasil não ficou de fora do movimento de prejuízos. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) cedeu 1,22%, para os 59.184 pontos mas chegou perder 3,40% de seu valor. No mês, o pregão paulista já acumula desvalorização de 12,36% e, no ano, de 13,71%. Tomara que, nos próximos dias, surjam boas notícias no horizonte. As bolsas já caíram demais, acrescentou. Em Nova York, o índice Dow Jones baixou 0,23%

Com os investidores ariscos, houve uma intensa busca por segurança, o que ajudou a elevar os preços do dólar. A moeda americana chegou a marcar R$ 1,917 no começo do pregão, com alta de 2,84%, mas cedeu no início da tarde e fechou com a R$ 1,868 mais 0,21%. Com o ouro não foi diferente. O onça do metal rompeu a barreira de US$ 1.200, encerrando os negócios a US$ 1.195 em Nova York, com aumento de 0,42% ante à véspera.

Depressão Apesar da grande torcida por dias melhores, respeitados analistas começam a multiplicar alertas na internet sobre a possibilidade de os problemas na Europa se transformarem em outra Grande Depressão. Para eles, se o plano de socorro de quase US$ 1 trilhão para tirar a Zona do Euro do atoleiro não conseguir acalmar o mercado, o crescimento dos Estados Unidos poderá ser reduzido entre até 1% nos próximos dois anos. Na opinião de economistas do Deutsche Bank, o fracasso do resgate, iniciado com a Grécia, levará o mundo a uma perspectiva potencialmente mais negativa, com a possibilidade certa de uma recessão em formato de W, isto é, um tombo, uma recuperação, e um novo tombo.

No entender dos especialistas, as características da crise atual são similares à de 2008, quando os sistemas financeiro de quase todo o planetas ficaram à beira da ruína. Eles alertam que, embora a exposição dos bancos americanos a riscos seja relativamente limitada, o sistema bancário na Europa está muito interligado ao norte-americano. E as instituições europeias estão muito expostas à possibilidade de calotes.

Por isso mesmo, segundo uma autoridade do governo Barack Obama, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, informou que pedirá a autoridades europeias esta semana para conduzirem algum tipo de teste de estresse do sistema bancário. Os testes de estresses, no entanto, devem ser diferentes dos realizados nos EUA, porque a Europa não tem um fundo de ajuda aos bancos como os US$ 700 bilhões para casos de deficiência de capital.

Caindo

Em dia de grande nervosismo, preços das ações em todo o mundo não resistem

País - %

» Inglaterra - -2,5 » Alemanha - -2,3 » França - -2,9 » Itália - -3,4 » Espanha - -3,1 » Portugal - -2,75 » Estados Unidos - -0,23 » Brasil - -1,22

Fonte: Reuters

Alemanha contra a especulação

A Alemanha pode ampliar a proibição a operações financeiras especulativas para cobrir todas as ações, segundo um documento do governo que vazou. A proposta do Ministério das Finanças alemão, que planeja medidas com o objetivo de estabilizar os mercados financeiros, incluiria uma proibição a vendas a descoberto de ações, incluindo derivativos, de acordo com o texto.

Berlim surpreendeu os mercados na semana passada, atraindo críticas de países do mundo todo, ao suspender unilateralmente as vendas a descoberto de bônus soberanos e operações de swaps, assim como de ações de algumas empresas financeiras.

O temor dos investidores de que a crise de dívida da Zona do Euro se torne uma crise bancária derrubou as ações europeias e o euro. Já os bônus alemães, considerados investimentos seguros, atingiram máximas recordes.

Risco de exagero Há, de fato, um risco de que, sob pressão do mercado, alguns países exagerem na austeridade, disse Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso seria um erro. Mas autoridades da União Europeia amenizaram o risco de cortes de gastos e aumento de receitas prejudicarem a recuperação econômica mundial.

O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, disse ao Fórum Econômico de Bruxelas: No curto prazo, a aceleração da consolidação fiscal afetará o crescimento na Zona do Euro como um todo apenas marginalmente. Já o comissário para Assuntos Econômicos e Monetários da UE, Olli Rehn, pediu aos governos europeus que combinem cortes orçamentários inteligentes com reformas estruturais, como desonerar o mercado de trabalho, por exemplo, para fazer o crescimento potencial de médio prazo voltar para 2%. A questão crítica é se a recuperação econômica real pode sustentar a nova turbulência financeira, disse Rehn na mesma conferência.