Título: Lucro nas alturas
Autor: Daniele Camba e Danilo Fariello
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2006, EU &, p. D1

Multimercados embalam no otimismo e têm seu melhor período na história ao ganharem com ações, juros e câmbio

Depois de dois anos difíceis, os multimercados se recuperaram e despontam entre as melhores aplicações em fundos de investimento. Nos últimos meses, essas carteiras registram o melhor desempenho da sua história, iniciada na década de 90. Levantamento feito pelo site financeiro Fortuna aponta que de novembro a fevereiro a categoria teve um retorno médio de 9,7%, frente a um avanço no mesmo período de 5,5% do CDI, índice de referência dessas carteiras. Esse quadrimestre bateu o recorde anterior dos multimercados, entre abril e julho de 2003, quando renderam 9,4% frente a 8% do CDI. Uma conjunção de fatores positivos contribuiu para esse desempenho: bolsa e títulos da dívida externa em alta e queda dos juros e do dólar, diz Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna. Os gestores agora estão um pouco mais conservadores nas estratégias, dado que os ativos já se valorizaram bastante, mas acreditam que os multimercados têm tudo para continuar oferecendo retornos polpudos este ano, pois os cenários local e externo seguem otimistas. "Os multimercados deixaram de ser o patinho feio dos investimentos", diz Luciano Tavares, sócio da Nest Investimentos, que possui um dos dois fundos que estão entre os dez melhores tanto no quadrimestre de 2003 quanto no de agora. Os bons resultados para a categoria vieram do comportamento positivo de determinados ativos financeiros. A bolsa foi u desses mercados que deram um bom empurrão para as carteiras. O Índice Bovespa (Ibovespa) subiu 27,88% entre novembro e fevereiro. "Muitos multimercados possuem grandes posições em ações", diz Thiago de Castro, diretor do family office Tag Investimentos. Ele fez um estudo com os 65 maiores multimercados e constatou que as cotas apresentam resultados positivos constantes quando a bolsa sobe e quedas fortes quando as ações caem. Castro acredita que, nos últimos quatro meses, cerca de 60% dos ganhos da maioria dos multimercados vieram de bolsa, outros 20% de câmbio e os 20% restantes de juros. Foram as apostas certeiras em bolsa que fizeram o fundo Nest Mile High figurar entre as melhores carteiras em 2003 e neste ano. Tavares, sócio da Nest, diz que as aplicações mais vencedoras nos últimos meses foram em ações dos setores de consumo, varejo e bancos. "Os multimercados são a melhor forma de se investir em renda variável porque, diferente dos fundos de ações, eles podem apostar no recuo da bolsa quando sua tendência é de queda", destaca Tavares. Em um período deste mês em que o Ibovespa caía 5%, por exemplo, o Nest Mile High subia 1%. No Plenus Hegde - um dos dois fundos da Plenus Investimentos que figuram entre os dez melhores nos últimos quatro meses -, a bolsa respondeu por cerca de 70% dos ganhos do fundo nos últimos meses. Segundo Marco Antonio Franklin, sócio da Plenus, as ações de Petrobras, Coelce, Saraiva, Magnesita e recibos do Banco do Brasil contribuíram para o retorno. O novato Singular Quant, criado em julho pela Zoom Asset Management, conseguiu colocação no ranking investindo apenas em ações, selecionando aquelas que subiriam mais do que o Ibovespa. "Nossa carteira rendeu bem principalmente com papéis de segunda linha, como Guararapes, Alpargatas, Localiza e CRT Celular", diz Paulo Siqueira, gestor do fundo. A carteira continua em posições agressivas, mas tem sofrido forte volatilidade nas últimas semanas. Os fundos não encheram os bolsos apenas com ações. A maioria deles ganhou também apostando na grande desvalorização do dólar e na queda da taxa de juros, aplicando em papéis prefixados e em títulos indexados a índices de inflação, como as NTN-B. Ricardo Campos, gestor da Hedging-Griffo, diz que o mercado percebeu que as taxas desses papéis de renda fixa estavam elevadas e melhora dos fundamentos do Brasil justificava a queda. Um dos primeiros a adquirir as NTN-Bs, segundo Campos, o fundo HG Strategy Long Short foi o mais rentável nos últimos meses. Atualmente, diz ele, os multimercados da Hedging assume posições mais conservadoras. "As margens para ganho estão menores, porque o mercado já melhorou muito." Os dois períodos de ouro dos multimercados possuem semelhanças. Tanto em 2003 quanto agora, a taxa de juros estava em queda e a bolsa em alta. Tavares, da Nest, lembra que nos dois momentos, o cenário internacional era positivo e não havia crise política interna. No entanto, diferentemente de 2003, quando os lucros se concentravam mais na alta valorização das ações, desta vez os ganhos foram conquistados em diversos mercados, diz o gestor de Renda Fixa do BBM, Júlio Fernandes. O High Yield 1, do BBM, é outro fundo que esteve entre os mais rentáveis nos dois períodos analisados. O bom desempenho de bolsa, câmbio e títulos de renda fixa internos e externos - batizado pelo mercado como "kit Brasil" - contribuiu principalmente para os fundos que aplicam em todos esses mercados, chamados de macroeconômicos. Apesar da liberdade que possuem para estar em todo o tipo de ativo, os multimercados costumam ganhar mais em momentos de otimismo. "O gestor brasileiro aposta muito mais na alta do que na baixa", diz Dany Rappaport, da InvestPort. Uma das explicações para isso, segundo ele, é que, ao ficar vendido - apostar na queda de um ativo sem de fato possuí-lo -, o gestor correrá o risco de, se o mercado subir, ter de comprar o papel mais caro para entregá-lo a quem fez a aposta contrária. Se isso ocorrer, é provável que o fundo apresente retorno inferior à rentabilidade oferecida pelo juro ou até prejuízos. "O famoso custo de oportunidade do Brasil impede apostas vendidas mais ousadas", diz Dany. Para ganhar, essas carteiras macroeconômicas precisam de uma tendência bem definida dos mercados, que foi exatamente o que ocorreu a partir do segundo semestre do ano passado, com a queda do risco-país e dos juros. "Esses fundos ganharam duplamente, com a melhora dos ativos e uma tendência clara do mercado", ratifica Tavares, da Nest. A falta de tendência dos ativos em 2004 e até boa parte do ano passado fez com que os multimercados que fazem apostas direcionais mostrassem ganhos pífios ou mesmo perdas. Segundo Delano Franco, diretor da Mellon Global Investment do Brasil, essa experiência de ganha-e-perde é prova de que esses fundos naturalmente têm forte oscilação. "Assim, o investidor deve procurá-los apenas para aplicar por prazos longos." Entre 2004 e início de 2005, no período de vacas magras portanto, foram muitos os investidores que deixaram essas carteiras, diz Fernandes do BBM. O patrimônio do High Yield 1 caiu de cerca de R$ 250 milhões em 2003 para menos de R$ 50 milhões e agora se recupera, superando os R$ 100 milhões, conta. "Mas agora o investidor está mais maduro e sabe onde está entrando", diz. Outro reflexo de maturidade do setor é o fato de novos fundos terem carência, de pelo menos um mês, o que evita o entra-e-sai inesperado e, por conseqüência, a necessidade de gestores venderem ativos bruscamente, em situações complicadas.