Título: Mercosul acena com novas concessões à UE
Autor: Assis Moreira e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2006, Brasil, p. A3

Relações externas Bloco pretende oferecer abertura em automóveis e serviços em troca de cotas maiores

O Mercosul planeja indicar hoje à União Européia que pode fazer concessões no setor automotivo, em serviços financeiros e marítimos. Em troca, quer amplas cotas para produtos como carnes, além de completa liberalização para produtos agrícolas processados (PAPs, como são chamados). Coordenadores dos dois blocos se reúnem hoje e amanhã, em Bruxelas, para tentar retomar as negociações de um acordo birregional, ao mesmo tempo em que o comissário europeu de comércio, Peter Mandelson, se prepara para viajar ao Chile, Argentina e Brasil. A UE tem sinalizado ao Mercosul que quanto mais concessões agrícolas fizer na Rodada Doha, menos poderá dar na negociação birregional para exportadores do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Mercosul insistirá na demanda para assegurar cotas (quantidade limitada de exportação com tarifa menor) para exportar imediatamente após a assinatura de um acordo um volume de 300 mil toneladas de carne bovina por ano, 250 mil toneladas de frango, 3,5 milhões de toneladas de milho, 1 milhão de litros de etanol, 120 mil toneladas de banana e 1 milhão de toneladas de trigo. Pedirá ainda a eliminação de tarifas no prazo de dez anos para os PAPs. A UE sempre quis excluir vários PAPs da liberalização regional, mas o Mercosul insistirá inclusive em abertura para produtos de carne bovina processada, hoje submetidos à tarifa de 3,03 euros por tonelada. Quanto a concessões, o Mercosul diz aceitar reduzir o prazo para acabar as tarifas de importação para automóveis, que havia fixado em 18 anos. A Anfavea, associação das montadoras brasileiras, tem falado em 12 anos como prazo razoável. Outra oferta que o Brasil parece preparado a fazer é permitir a instalação de bancos europeus no país sem a exigência de autorização do presidente da República. Ontem, certos negociadores se questionavam como isso será feito. No setor marítimo, a idéia é flexibilizar na área de cabotagem afim de permitir que um navio europeu possa carregar carga do Recife para Santos, por exemplo. Recentemente, num seminário em Paris, um importante funcionário da Comissão Européia, Hervé Jouanjean, acenou "'de maneira oblíqua"', segundo participantes, com concessão para o Mercosul no setor de carnes, para atrair o bloco a um acordo birregional. Em Brasília, o o embaixador da UE no Brasil, João Pacheco, disse ao Valor que os europeus abandonaram as expectativas de chegar a algum acordo bilateral até maio, quando se realiza, em Viena, a reunião de cúpula União Européia-América Latina. Nos últimos dias, negociadores europeus realizam reuniões em Bruxelas para buscar um consenso sobre as novas ofertas de abertura comercial a serem feitas ao Mercosul. O esforço dos europeus é dirigido à reunião técnica em Bruxelas, quando negociadores de ambos os lados tentarão apresentar novas ofertas e desentravar a negociação do acordo, paralisada há cerca de um ano, em meio a desconfianças e acusações das duas partes. É forte a pressão dos europeus para que o Mercosul apresente ofertas de maiores reduções nas tarifas de importação de bens industrializados, e menores restrições ao fornecimento de serviços por estrangeiros no mercado local. Os argentinos são os maiores opositores a uma maior abertura industrial, que gera discussão no governo brasileiro, onde o Ministério da Fazenda defende que se aproveite a oportunidade para uma rodada de cortes nas tarifas industriais - como forma de aumentar a competição entre as empresas instaladas no país. O embaixador Pacheco garante que os europeus trabalham para apresentar "um bom sinal" nas reuniões desta semana. "Queremos progredir na negociação, ver se é possível sinalizar avanços", afirma. "Não dá para botar as discussões comerciais no congelador, à espera de decisão na Organização Mundial de Comércio." O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi incisivo na semana passada em declaração ao Valor: "A negociação UE-Mercosul está condicionada ao que se passa na OMC. Significa que vem depois". Alguns auxiliares dele manifestam mais otimismo, enquanto os europeus já não falam em acordo em maio, em Viena. O comissário Peter Mandelson quer, em todo caso, "furar o abscesso", ou seja, tentar esclarecer de vez a questão na Argentina e no Brasil. Em Bruxelas, há quem acredite que dá para fazer o acordo birregional sem ter de esperar o fim da Rodada Doha, alegando que essa negociação está complicada. O fato é que a União Européia pretende anunciar na Cúpula UE-América Latina a abertura formal de negociações com o Pacto Andino e com a América Central. Certos observadores alertam que será "terrível" se até la se não ocorrer nada para ser anunciado na negociação com o Mercosul.