Título: O dilema de Serra na hora da decisão
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2006, Política, p. A8

O prefeito José Serra terá o tempo que julgar necessário para decidir se concorre ou não ao governo de São Paulo. É o mínimo a ser feito, no entendimento da cúpula do PSDB, por quem assumiu posição tão devastadora nas pesquisas para a eleição estadual, como informa o Datafolha divulgado no domingo, e abriu mão da candidatura presidencial em nome da unidade partidária. Não haveria nem o que se falar em pressa, exigência que estaria sendo feita pelo pré-candidato Geraldo Alckmin - ou prévia partidária. Serra está inclinado a dar uma resposta positiva ao partido, mas é certo que ainda avalia algumas variáveis e deve deixar a decisão para a undécima hora, como é de seu estilo. Não é tanto tempo assim: se estiver disposto a encarar o PT em outubro, de fato, o tucano precisa deixar o cargo no fim da próxima semana. À exceção do prazo legal de desincompatibilização, a situação é semelhante àquela vivida por José Serra em 2004, quando foi convocado pelo partido para disputar a Prefeitura de São Paulo. O dilema de Serra é o mesmo. Em 2004, sua candidatura era boa para todos, do partido, que poderia tirar do PT do comando do terceiro maior Orçamento da República, aos candidatos a vereador. Mas poderia inviabilizar sua candidatura a presidente da República, em 2006, como de fato inviabilizou. Sem mandato, Serra estaria muito mais livre para disputar a prévia exigida por Alckmin para definição do candidato tucano à sucessão de Lula. Em 2006, como em 2004, os riscos são todos dele, Serra. De acordo com o levantamento do Datafolha, Serra vence a eleição já no primeiro turno, com 65% dos votos válidos, se os adversários forem Orestes Quércia (PMDB) e Aloizio Mercadante (PT). Na simulação em que o candidato petista é a ex-prefeita Marta Suplicy, o tucano ainda deixa os adversários comendo poeira: teria 57% dos votos válidos no primeiro turno. Com esses índices, a candidatura é útil para o PSDB - de Geraldo Alckmin aos candidatos a prefeito - e para o eleitor que deseja uma opção anti-PT viável no Estado. A dúvida é se é útil aos projetos de Serra.

Tendência do prefeito é disputar o governo

Serra, por outro lado, corre riscos mesmo que fique na prefeitura e deixe o caminho livre para o PT ganhar o governo do Estado. Pior ainda, se Alckmin perde para Lula. Ele ficaria isolado na prefeitura. Bem ou mal, mesmo com as acusações de sabotagem praticadas pelo governo estadual nas semanas mais críticas da disputa tucana, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito desenvolvem 25 parcerias na cidade de São Paulo, em projetos da ordem de R$ 750 milhões. Exemplos: a implantação do bilhete-único (integração entre os sistemas de ônibus, metrô e trens urbanos) e o acordo para a construção do Rodoanel. Na época em que Marta era prefeita e Alckmin, governador, havia apenas uma dessas parcerias. Outro argumento pesado em favor da candidatura José Serra é que o governo estadual também é responsável por grandes obras na cidade de São Paulo. Exemplos disso seriam a obra anti-enchente que rebaixou e alargou a calha do rio Tietê, inaugurada no domingo passado, e o próprio metrô. Um argumento a mais para o tucano tentar explicar sua saída da prefeitura, quando, na campanha, prometeu não renunciar para disputar outro cargo eletivo. Promessa, aliás, que o PSDB julga ultrapassada pelos índices de Serra nas pesquisas. Para Alckmin, a candidatura Serra é a certeza de um palanque forte em São Paulo, o que o governador vai precisar, por mais que sua administração ostente invejável índice de aprovação, 69% de ótimo e bom, o melhor resultado de um governador paulista desde 1986, de acordo com o mesmo levantamento do Datafolha. Deputados federais, deputados federais e prefeitos ganham um "puxador de votos". Até o PFL saiu lucrando, ao entronizar Kassab na Prefeitura de São Paulo, seu maior objeto de desejo na temporada. Em resumo, o que o PSDB pede a Serra é a mesma demonstração de desprendimento, humildade e coragem que pediu em 2004. É uma situação que Serra gostaria de ter passado - e não passou - durante a disputa com Geraldo Alckmin pela indicação do candidato tucano a presidente da República. É muito difícil que resista às pressões para sair candidato. Até mesmo porque pode simplesmente concluir que trocar o Palácio Matarazzo, sede da prefeitura, pelo Bandeirantes será mais útil, agora, tanto a seus propósitos quando aos propósitos dos tucanos.