Título: Bolsa de valores: será que o movimento de alta acabou?
Autor: Júlio Cardozo
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2006, EU &, p. D2

Após os últimos dias de volatilidade elevada e realizações na Bovespa e no mercado mundial, algumas perguntas ficam mais freqüentes. Será que estamos vivendo uma bolha emergente? O New York Times publicou declaração do ministro da Economia russo dizendo que a valorização de seu mercado acionário estava chegando a níveis não fundamentados. Será que a tendência de alta de mais de 300% do Ibovespa, iniciada no fim de 2002, acabou? Será que os mercados internacionais, através do aumento nas taxas futuras de juros, estão no limiar de um movimento violento de retorno de capitais aos países desenvolvidos? Sem sequer chegar perto de esgotar o tema, alguns pontos são relevantes para a questão. Primeiro, para justificar os receios de um comportamento adverso dos mercados, podemos citar os seguintes fatores: o fluxo para mercados emergentes, que começou o ano acelerado, tem se enfraquecido. Na Bovespa, janeiro foi positivo em R$ 2,6 bilhões, virou negativo em R$ 600 milhões em fevereiro e, apenas no dia 07 de março, saíram R$ 565 milhões. Depois de vários anos em níveis acomodatícios, as curvas de juros futuras de Europa, Japão e EUA reagem em ressonância. Commodities importantes, verdadeiros vetores do recente desempenho dos países em desenvolvimento, sinalizam com depreciação ou ao menos acomodação. O EMBI emergente e o EMBI Brasil interromperam sua trajetória de queda. Só o risco brasileiro subiu 10% desde seu nível mínimo em 28 de fevereiro. A safra de ofertas iniciais (IPOs) começa a produzir algumas distorções: empresas que abriram seu capital recentemente valem em bolsa quase tanto quanto empresas tradicionais e de maior patrimônio líquido. Para rebater os pontos anteriores, precisamos recorrer a um fundamento primordial para a bolsa: seu preço. Comparando os dados de Preço/Lucro (P/L) do Brasil e diversos mercados externos, vemos que a nossa situação é bem mais confortável: enquanto o Ibovespa se encontra no nível de 10,80 vezes, o índice MXEF de mercados emergentes está em 12,80; a Rússia está ainda mais barata, 10,17 vezes, enquanto México e Argentina se encontram em patamares de 11,30 e 30,70 (!) vezes, respectivamente. No mundo desenvolvido, os respectivos P/L do Dow Jones, Nasdaq e Financial Times são 20,90, 35,10 e 14,90. Concluímos que nossa bolsa ainda é uma das mais baratas do mundo em termos de rentabilidade. Mesmo expurgando a Petrobras (P/L de 7,9 vezes) do índice, o Ibovespa vai para um P/L de 11,18. Quanto aos IPOs, empresas recém-chegadas em bolsa são freqüentemente supervalorizadas, muito mais lá fora do que aqui. O mercado premia perspectiva de rentabilidade futura, não somente patrimônio líquido. Bom, então se estamos baratos, por que o medo de bolha? O fato de o mercado brasileiro como um todo estar num nível razoável não significa que não existam distorções, internas ou externas. De fato, é natural esperá-las após a enxurrada sem precedentes de recursos direcionados a commodities e ações emergentes. E o movimento de correção pode ser doloroso para os mercados mais caros, costumando ser punitivo também com os mais líquidos, onde o Brasil se encaixa. É este o ponto em que podemos estar chegando, daí a explicação para a recente insegurança e volatilidade. Apesar de tudo, o custo de oportunidade no mercado futuro, em alta Japão, Europa e EUA, têm tido efeitos benéficos. A economia mundial cresce a taxas de inflação baixa e algumas das distorções estão sendo corrigidas sem grandes transtornos. O petróleo está novamente estável em patamar mais baixo, commodities metálicas como ouro e cobre sinalizam queda, a negociação sobre o preço do minério de ferro está um pouco mais apertada. Nada dramático. Tudo isso com fluxo ainda preponderantemente positivo, alguma realização saudável na bolsa, fraca pressão no câmbio e risco próximo das mínimas. É claro que, devido à natureza volátil das bolsas, sempre existe a chance de uma guinada, mas se tudo continuar assim, logo poderemos ter de volta o movimento de alta retomado, com a vantagem de um ambiente mais adequado. Em suma, não existe a menor razão para pânico na bolsa. O preço razoável, boas perspectivas de lucro e manutenção do câmbio num patamar apreciado/pouco volátil dão ao investidor a tranqüilidade de comprar ativos com boas perspectivas de rentabilidade. Lá fora, o risco é maior, mas parece estar se corrigindo de maneira sustentada. Finalmente, nunca é pouco lembrar que a bolsa deve ser considerada no médio/longo prazos, e que se deve analisar minuciosamente cada empresa da carteira. Cautela e canja de galinha...