Título: Brasil precisa de novo modelo, diz Sachs
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2004, Brasil, p. A4

Desenvolvimento Economista critica austeridade fiscal excessiva e defende mais investimentos em obras públicas

Brasil, China, Índia e Rússia - as economias-baleias, ou de porte gigantesco no grupo dos países emergentes - precisam enterrar de vez o modelo do crescimento alimentado por desigualdades sociais e regionais para alcançar o desenvolvimento econômico sustentável . "Esse modelo foi o do milagre brasileiro, dos tempos dos generais, e deu no que deu: quarenta anos de crescimento muito rápido, excludente e concentrador, com péssima distribuição de renda e 25 anos de quase estagnação", diz o economista Ignacy Sachs, que dirige o centro de estudos brasileiros na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Sachs, nasceu na Polônia e, fugindo da II Guerra Mundial, aportou no Brasil, onde estudou na Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Amigo de Celso Furtado, morto no último sábado, o professor lembra-se que foi o primeiro a publicar textos do economista brasileiro na Polônia em 1958. Interessado em ampliar estudos sobre países em desenvolvimento, passou três anos na Índia, na Universidade de Delhi. Mas seu interesse maior é pelo Brasil. O último texto escrito por Furtado, em junho deste ano, serviu de prefácio para o 11º livro de Sachs publicado no Brasil - Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado, da editora Garamond. Furtado criticava, no prefácio, referindo-se ao Brasil, "as taxas de juros escorchantes que estão absorvendo mais que a totalidade da poupança nacional" e classificava Sachs como "lúcido conhecedor da problemática do desenvolvimento". Sachs, em bom português e com um leve sotaque, também critica o nível do juro no Brasil. "Não dá para entender usar juro alto para combater inflação de custo", diz. Para ele, aumentar juros, como fez o Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada, ao subir a Selic para 17,25%, "constitui mais um elemento da inflação de custos. E uma política recessiva vai nos colocar numa estagnação ou num crescimento pífio". Para que o apetite chinês pelo aço, por exemplo, não faça o preço do aço subir no Brasil, Sachs sugere aplicar um imposto sobre a exportação. A política fiscal do governo brasileiro também lhe parece por demais austera. "Acho que há margem para aumentar créditos públicos para aqueles investimentos que não vão gerar inflação porque o excesso da demanda vai ser enxugado pela oferta elástica de bens de salário. Esse é o bê-á-bá do keynesianismo de esquerda", diz Sachs, referindo-se ao inglês John Maynard Keynes, considerado o pai da ala desenvolvimentista da economia. A China, em sua visão, está adotando um modelo errado de desenvolvimento. "Como a China vai arcar com os problemas da desigualdade crescente, da marginalização de uma parte da população e de uma grande quantidade de regiões, é uma questão aberta para o futuro". Na Índia, lembrou, as eleições deste ano mostraram que a população rechaçou a política econômica, que fez o país crescer 8% ao ano. "O governo perdeu a eleição porque 90% dos indianos não participam desse crescimento". A Rússia, que poderia explorar seu território para ampliar a produção agrícola, não o faz, observa Sachs, pois prefere continuar faturando bilhões de dólares com o petróleo. O Brasil, por sua vez, poderia explorar "o meio rural" para gerar mais empregos e tornar-se uma sociedade mais justa. "A área para mim onde existem as maiores possibilidades para iniciar um novo ciclo de desenvolvimento é o meio rural, onde se tem a maior biodiversidade do mundo, a maior floresta ainda em pé, a maior reserva de terras agriculturáveis, ecossistemas diversificados e amenos, e boa oferta de recursos hídricos", diz o professor. Investir na área rural é um dos três pontos da estratégia de desenvolvimento sugerida por Sachs. O segundo ponto seria direcionar recursos para setores com capacidade de modernizar a economia, como o de informática, por exemplo. "Mas temos que entender que esse núcleo modernizador não vai gerar número suficiente de empregos. Novas oportunidades de empregos decentes", formais e em grande número, viriam por meio da expansão de obras públicas, com investimentos em educação, saúde e saneamento.