Título: Fundos de pensão: as propostas da CPI
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Brasil, p. A2

Apesar de todo o barulho criado em torno do trabalho da sub-relatoria de fundos de pensão da CPI dos Correios, o relatório final traz sugestões concretas para o aprimoramento institucional do sistema de previdência complementar do país. A despeito das disputas políticas, o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) fez um trabalho sério. Montou uma equipe técnica, contratou auditores profissionais, dialogou com instituições privadas e públicas que atuam no setor e não se limitou às investigações de malfeitorias. O relatório, entregue ontem ao relator da CPI, discute o funcionamento e a regulação dos fundos de pensão, setor emergente da economia nacional. Trata-se do início de um debate crucial para o aperfeiçoamento de um sistema que, hoje, acumula ativos da ordem de R$ 400 bilhões (equivalente a 20% do PIB), abrange universo de 14 milhões de pessoas e que viverá, todos queiram que em breve, um desafio: a queda dos juros pagos pelo governo, a principal fonte de rendimento dos fundos. Em linhas gerais, o relatório, ao qual esta coluna teve acesso, propõe cinco providências de natureza reguladora e uma estrutural - a criação da Agência Nacional de Previdência Complementar (ANPC) e do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC). Gozando da mesma autonomia que hoje rege o funcionamento de agências como a Anatel, a ANPC substituiria a atual Secretaria de Previdência Complementar (SPC), vinculada ao Ministério da Previdência Social. A nova agência ficaria encarregada de fiscalizar as atividades dos fundos de pensão, enquanto o conselho cuidaria da regulamentação. A proposta difere da feita pelo governo no ano passado, e que foi rejeitada pelo Congresso - a criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que também substituiria a SPC, mas continuaria subordinada ao Ministério da Previdência. Aqui, a diferença de projeto é motivada por um viés ideológico. O governo do PT despreza e contesta a autonomia das agências reguladoras. Considera-as fora do Estado. Não por receio de que sejam capturadas por interesses privados, mas, sim, porque estão além do seu domínio político. Entre as providências regulatórias sugeridas por ACM Neto, a primeira chega a ser prosaica, não fosse a falta de transparência que marca a regulação atual. Ele propõe que, de agora em diante, as resoluções venham acompanhadas de exposição de motivos. Ele sugere também que as autoridades reguladoras e de fiscalização sejam sabatinadas pelo Senado antes de assumirem suas funções e que passem a prestar contas ao Congresso. O deputado propõe que, dada a imensa dificuldade existente na troca de informações entre BC, CVM e SPC, as entidades que fiscalizam os fundos de pensão passem a ter acesso ao sigilo bancário e fiscal de pessoas e entidades investigadas. Nesse ponto, o relator ataca um velho problema da administração pública: o fato de as instituições atuarem de costas umas para as outras.

ACM Neto sugere agência autônoma

Uma outra sugestão prevista no relatório prevê que o Conselho Monetário Nacional promova mudanças que viabilizem o uso, pelos fundos de pensão, de derivativos de crédito. A proposta foi retirada de um texto elaborado, em 2002, por um assessor do BC. "Atualmente, os fundos de pensão apenas funcionam como compradores de risco, pois, a eles somente é facultado investir em produtos financeiros que lhes transferem risco, tais como os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs)", diz o relatório. "Os derivativos de crédito funcionam como um seguro contra movimentos adversos da qualidade do crédito." Por causa dos juros altos, aplicações em renda fixa são os principais garantidores, no Brasil, dos planos de benefícios administrados pelos fundos de pensão. Elas representam 63,5% dos recursos, sendo que, do total, 74,7% estão aplicados em papéis do governo (dados de março de 2005) e o restante, em títulos privados. No caso dos títulos públicos, os fundos são credores de cerca de 13% da dívida pública. Durante os trabalhos da CPI, o que mais chamou a atenção dos deputados e auditores envolvidos nas investigações foram justamente as manobras realizadas por corretoras, sempre as mesmas, com o objetivo de forjar prejuízos para algumas fundações nas operações com títulos públicos. No capítulo de sugestões, ACM Neto sugere que os fundos de pensão passem a operar com plataformas eletrônicas de negociação de papéis. Essas plataformas, diz o relatório, trazem inúmeras vantagens, entre elas, a possibilidade de melhor formação de preços no mercado secundário de títulos e valores mobiliários e a redução dos custos explícitos de transação (taxas de corretagem, comissões, custos de compensação e pagamento, mão-de-obra). Apesar disso, há aspectos negativos na sua adoção - um deles é o aumento dos custos operacionais - e eles são listados pelo relator. Existem quatro dessas plataformas no país - CetipNet (utilizada pela Previ desde o início de 2004); Sisbex-Negociação e Sisbex-Registro, da BM&F; BovespaFIX; e SomaFIX. Um estudo do BIS (Bank for International Settlements) defende sua disseminação, afirmando que as plataformas têm impacto positivo sobre a estabilidade dos mercados financeiros, devido à melhora na eficiência e liquidez, no ordenamento do mercado e no fato de possibilitar maior resistência a choques. Como a implantação compulsória das plataformas é polêmica - a SPC e a Abrapp, sugeriram que ela seja implantada gradualmente -, ACM Neto propõe que ela seja obrigatória, num primeiro momento, apenas para as operações com títulos federais. Ele sugere que as autoridades difundam a idéia no mercado. A última recomendação do relatório é para que os fundos aumentem a agilidade e a precisão do sistema de informações. Nesse sentido, o deputado propõe a criação do Sistema de Controle de Portfólio, um organograma-modelo pelo qual os fundos abasteceriam regularmente de informações as instituições participantes do mercado.