Título: Para retomar serviços de água e esgoto, municípios terão de assumir dívidas
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Brasil, p. A2

A preocupação em evitar um novo "esqueleto" fiscal levou o relator da matéria na Câmara, deputado Júlio Lopes (PP-RJ), a fazer novas modificações no projeto de lei que estabelece um marco regulatório para o setor de saneamento básico no país. Pela nova versão de seu substitutivo, ainda em elaboração, só poderão retomar os serviços de água e esgoto aqueles municípios que tiverem condições de assumir as dívidas tomadas pelo atual prestador para investimentos na infra-estrutura da rede. Segundo o parlamentar, a mudança foi pedida pelo Ministério da Fazenda, durante reunião com o secretário-executivo, Murilo Portugal, na semana passada. O objetivo é evitar que uma eventual onda de retomada dos serviços pelas prefeituras interrompa o fluxo de pagamento das dívidas das companhias estaduais de água e esgoto junto à Caixa Econômica Federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao Banco do Brasil - este último na condição de agente do Tesouro Nacional na cobrança de dívidas refinanciadas dos Estados e empresas estatais. Só à Caixa, as companhias e Estados controladores devem cerca de R$ 3,6 bilhões oriundos do financiamento de obras de saneamento básico. Segundo a Associação da Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), pelo balanço de dezembro de 2004 o total do passivo de longo prazo de suas associadas chegava a R$ 15,8 bilhões. A maior parte disso, no entanto, refere-se a dívidas cobradas pelo Banco do Brasil por conta de financiamentos concedidos originalmente pela Caixa, e refinanciados pelo Tesouro Nacional. Em função do antigo Planasa, plano nacional de saneamento traçado ainda na época do governo militar, as companhias estaduais hoje dominam o setor, respondendo pelo abastecimento de 70% da população urbana. Em muitos casos, conseguiram firmar ou renovar contratos de concessão com o município titular do serviço. Mas há concessões vencidas ou regidas por contratos precários. O risco de que muitas prefeituras tirem os serviços das empresas estaduais, para licitá-los e entregá-los a operadores privados, ficou maior depois que o Supremo Tribunal Federal retomou, há cerca de duas semanas, o julgamento de duas ações de inconstitucionalidade envolvendo a titularidade dos serviços. Os votos dos ministros que já se manifestaram indicam que a tendência é derrubar as legislações estaduais que atribuíram aos Estados a responsabilidade pelos serviços nas regiões metropolitanas e áreas onde um mesmo sistema de água e esgoto atenda a mais de um município. O grande temor da Fazenda é que, se não forem estabelecidas regras claras de indenização e de assunção de passivos, o eventual rompimento de prefeituras com empresas estaduais acabe em calote sobre os bancos federais e o Tesouro Nacional. Isso porque, ao perder o negócio e a respectiva receita de tarifas, as companhias não teriam mais como pagar o saldo dos financiamentos que tomaram. A transferência da dívida -e por consequência a retomada do serviço pela prefeitura - só se daria, pela proposta da Fazenda, com anuência do banco credor. Em se tratando de municípios, essa anuência teria que ser precedida de análise da capacidade de pagamento de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal e das resoluções do Senado que tratam do limite do endividamento público. A posição do relator deverá enfrentar resistências dentro da própria base governista na Câmara, porque, segundo ele, há divergência sobre a questão dentro do próprio governo. "Ajudaria muito se os ministérios de Cidades e Fazenda se entendessem", diz. Também atrapalha a demora do STF em dar uma posição final sobre as ações envolvendo a titularidade. Os dois julgamentos estão parados porque o ministro Gilmar Mendes pediu vistas nos dois casos e até agora não levou a questão de volta à pauta do tribunal. Ontem, a comissão especial da Câmara que analisa o projeto tentou se reunir para debater o substitutivo de Lopes. Mais uma vez, não houve quórum. "Estou só nessa guerra", queixou-se o relator.