Título: Europa quer flexibilidade em cortes industriais
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Brasil, p. A4

A União Européia (UE) deixa claro o mínimo que pode aceitar na Rodada Doha na área industrial. O comissário Peter Mandelson disse que a UE fez os cálculos e considera que uma fórmula de cortes com coeficiente 15 é "economicamente possível para o Brasil e amplia nosso acesso ao mercado brasileiro". Coeficiente 15 com flexibilidade para deixar de fora alguns produtos é bem mais do que a indústria brasileira diz poder aceitar n atual rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC). Significa que o Brasil deveria reduzir sua tarifa média aplicada nas importações dos atuais 10,92% para 8,39%. A tarifa máxima de 35% na importação deveria cair para 22,8%. O impacto dos cortes em bens industriais da negociação na OMC sobre países em desenvolvimento vai depender muito da flexibilidade a ser dada a esses países, conforme resultado de simulações que a entidade circulou entre os países-membros. Os países negociam se permitem às nações em desenvolvimento cortar menos as tarifas que incidem sobre 10% das importações, ou se manterão intactas 5% das alíquotas. No Brasil, a indústria pediu esse tipo de proteção para 1.700 linhas tarifárias, mas o governo já as baixou para cerca de 900 linhas. Em sua viagem ao Brasil, na semana que vem, o comissário conclamará o Brasil a atuar junto com a União Européia para fazer a Rodada Doha avançar. "Estamos chegando a um ponto (na OMC) que é difícil, pois temos grandes decisões a tomar, que envolvem números importantes e com enormes conseqüências para todos", afirmou o comissário europeu na entrevista. "Não acredito que estamos em um impasse. Temos responsabilidade para aproximar diferenças entre nós para que a OMC chegue um acordo ambicioso", acrescentou. Descontraído, Mandelson lembrou que nunca encontrou um negociador brasileiro que não tenha cobrado concessão na área agrícola. E na Rodada Doha ele é pressionado o tempo todo a fazer mais concessões. Mas em discurso, ontem, no Parlamento Europeu, o comissário destacou que "os membros da OMC agora compreenderam que uma nova oferta agrícola européia não está atualmente sendo feita" e que os "grandes números" deverão ser colocados ao mesmo tempo na mesa de negociações. A fala foi, claramente, uma menção a uma nova proposta industrial por parte do Brasil e outros países em desenvolvimento. Por sua vez, também ontem o Japão indicou que está pronto a fazer concessões agrícolas, mas só fará isso depois que o Brasil e outros países se moverem. Numa entrevista ao "Financial Times", o ministro japonês da Agricultura, Shoichi Nakagawa, disse que na recente reunião ministerial de Londres o Brasil ficou próximo de quebrar o impasse oferecendo importantes concessões na área industrial. Ele contou ao "Financial Times", que Japão e Austrália chamaram as concessões de blefe, levando o embaixador brasileiro, Celso Amorim, a retirá-las em seguida. Também ontem o Japão indicou que está pronto a fazer concessões agrícolas, mas só fará isso depois que o Brasil e outros países se moverem. Mandelson também falou, durante a entrevista, da definição do padrão de TV digital pelo Brasil. Na sua opinião, se o país escolher a tecnologia japonesa de TV digital, estará se isolando do resto do mundo. Se escolher a européia, terá enormes vantagens. Depois dos rumores de que o Brasil escolheu o modelo japonês, a União Européia aumentou a pressão em Brasília e tem insistido que pode oferecer mais do que os concorrentes, inclusive na instalação possível de fábrica de semicondutores no pais. Na entrevista, Mandelson tomou mais tempo para responder justamente a uma questão sobre a TV digital. "Isso é importante para a Europa. O padrão europeu é o melhor para o Brasil", defendeu. Ele argumentou que, primeiro, em razão do preço mais reduzido para a adaptação da indústria local para produzir os novos televisores. Segundo, acenou com maior participação do Brasil no desenvolvimento da TV digital, principalmente em pesquisa e desenvolvimento. E terceiro, assegura que o Brasil terá assento no conselho que administra o padrão europeu, e, portanto, poderia influir nas decisões. "Isso significa que o Brasil vai se juntar a um padrão global", alegou. Visivelmente engajado na disputa, Mandelson insistiu que a escolha do padrão japonês significaria "tirar atividades de pesquisa e desenvolvimento do Brasil e não dará lugar (ao país) na infra-estrutura global, tanto para tecnologia, como para administração desse padrão". O comissário deixou claro que a decisão brasileira tem muita importância na relação bilateral e também que ele pretende tratar do assunto durante sua visita ao país na próxima semana. (AM)