Título: Acordo com Mercosul só sai após Doha, diz Mandelson
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Brasil, p. A4

O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, excluiu ontem a possibilidade de um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul antes da conclusão da Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso ocorre justamente quando o bloco do Cone Sul apresentou, pela primeira vez aos europeus, uma proposta "de acordo possível". "A prioridade imediata é fazer um mapa do caminho para onde queremos que a (negociação) na OMC vá", disse Mandelson numa entrevista em seu gabinete no nono andar da sede da Comissão Européia. Pouco antes, alguns andares abaixo, numa reunião técnica, o chefe da delegação brasileira, Régis Arslanian, colocou na mesa uma proposta de uma página e meia com concessões em serviços financeiros, marítimos e para a entrada de executivos europeus, além de reduzir prazos para eliminar tarifas de importação de carros. Arslanian condicionou esses movimentos à obtenção de amplas cotas para produtos como carnes e etanol e à eliminação tarifária para Produtos Agrícolas Processados (PAPs), como café solúvel, produtos de açúcar etc. Arslanian declarou-se otimista, estimando que a proposta poderia fechar o acordo birregional "em um ou dois meses". Já Mandelson, que se prepara para viajar ao Chile, Argentina e Brasil, leu as notas preparadas por seus negociadores e deixou clara a posição européia. "O acordo com o Mercosul é alta prioridade para nós, mantemos nosso compromisso de concluí-lo, colocando velocidade no processo, mas precisamos esperar a conclusão da rodada na OMC e ver quanto podemos atingir (na liberalização birregional)", afirmou o comissário. O comissário reiterou que a integração do próprio Mercosul é "pré-condição importante" para um acordo birregional. Bruxelas sempre reclama que as mercadorias européias que entram no Brasil, por exemplo, não podem transitar livremente para a Argentina por causa da manutenção de barreiras no que deveria ser um mercado comum. Para Mandelson, um acordo entre os dois blocos depende do formato do acordo na OMC, e insistiu que a UE quer compromissos "ambiciosos e equilibrados para os dois lados ganharem com ele". Ele disse esperar que o Mercosul "renove esse objetivo (de liberalização ambiciosa)" Em entrevista no começo da noite, Arslanian não deu detalhes, mas insistiu que a proposta do Mercosul tentou atender a "todos os pedidos dos europeus. Se eles aceitarem, podemos fechar logo o acordo". Ele se lembrava que a ultima oferta agrícola européia só gerava comércio de US$ 800 milhões para o Mercosul. Mas confessava que não sabia quanto sua proposta de ontem podia gerar de ganhos para o bloco e nem para a UE. No caso de serviços, considerou "impossível quantificar" o que a UE podia receber. No setor automotivo, disse que a oferta na mesa continua sendo cota de 25 mil automóveis com tarifa menor para os europeus. Coordenadores da UE e do Mercosul deveriam se reunir por dois dias. Bastou ontem. O chefe da delegação européia, Karl Falkenberg, recebeu a proposta do Mercosul e não retrucou com outra. Ele expressou dúvidas sobre os pedidos e reclamou que basicamente tudo já tinha sido já publicado na edição de ontem do Valor, exibindo o artigo. O secretário de Comércio da Argentina, Alfredo Chiaradia, considerou ser "impossível especular o que os europeus acharam de nossa proposta". Um porta-voz europeu foi, porém, explícito: "Não há nada de novo. O Brasil colocou coisa na mesa, mas nossa posição é de avançar na OMC". Os técnicos marcaram nova reunião para antes da cúpula União Européia-América Latina, que ocorrerá em maio. As divisões internas do Mercosul - às quais indiretamente o comissário europeu fez menção, ontem - voltaram a aparecer.Chiaradia, negou que a Argentina freando a entrada de produtos brasileiros, e lembrou do "déficit importante" - de quase US$ 10 bilhões - que o país acumulou no comércio com o Brasil no ano passado. Chiaradia disse que esse déficit não preocupa se não for resultado de políticas públicas no Brasil. O secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnaini, disse que o déficit argentino tem a ver com a própria economia argentina, que cresceu mais de 9% no ano passado. "Não há subsídios no Brasil", afirmou.