Título: Lula oscila entre a razão e o coração
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Política, p. A10

Pela quantidade de bons empregos que o presidente Lula deu em seu governo a petistas derrotados em disputas eleitorais, já se tem uma prova eloqüente de que governa com o coração, sempre dedicado a proteger amigos que fez no partido e, principalmente, a levar os emergentes sindicais ao poder. Pelo tempo que deixou o PT fritar aliados a quem destinou postos importantes no governo, à espera da providência divina, vê-se que a leniência é um de seus mais recorrentes métodos. Pela insistência em manter o reinado de ministros e colaboradores de incompetência comprovada, deixando-os arder até encontrar uma oportunidade quase automática de dispensá-los, constata-se a sua extrema dificuldade em demitir. Trabalhar com derrotados, ofendidos e denunciados é um traço do estilo do presidente. Passa a mão na cabeça, projeta-se no companheiro, convida-o para uma pelada e segue em frente. Até a situação ficar insustentável, a autoridade perder a condição de liderança e acabar saindo glorificada em agradecimentos e elogios. O principal ministro do governo, José Dirceu, durou um ano e meio no governo, sempre ganhando novas e importantes tarefas, depois da eclosão do caso Waldomiro Diniz, seu braço direito denunciado por corrupção, operador da formação de maioria governista no Congresso Nacional. A ministra Benedita da Silva ficou no cargo o quanto quis depois de ser denunciada por uso de recursos públicos para usufruto privado. Os ministros Olívio Dutra e Humberto Costa sobreviveram dois anos e meio sob irrefutáveis críticas quanto à sua competência para conduzir áreas vitais da administração, até que uma desculpa de reforma ministerial necessária para agradar ao PMDB permitiu ao presidente reaver os cargos. Outras nulidades foram ficando até hoje, por falta de pretexto para serem mandadas embora, como, por exemplo, José Fritsch, o ministro da Pesca. Para alguns nem com pretexto o presidente reagiu: a recente patifaria em que foi protagonista o comandante do Exército, Francisco de Albuquerque, que exigiu embarcar em um avião já em procedimento de decolagem, tendo a companhia aérea convencido passageiros pagantes a darem seu lugar ao casal ministerial, não moveu um músculo no comando da Nação. Não se tem notícia sequer se o presidente Lula tomou conhecimento do inesperado e extemporâneo abuso de poder de autoridade do seu governo. Luiz Gushiken, outro ministro antes poderoso, da Comunicação e da Propaganda, teve seu poder minado por denúncias até cair. Mas o presidente não teve coragem de dispensar o amigo, que caiu para cima, premiado com um emprego discreto, porém ao seu lado, no Palácio do Planalto. Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil, forçou a saída por não suportar denúncias, embora o presidente o tenha segurado ao máximo; Jorge Mattoso mantém-se no cargo de presidente da Caixa Econômica Federal, de onde tenta explicar saraivadas de denúncias sobre irregularidades na sua administração sem ser incomodado pelo chefe do governo. Na rede das promíscuas relações do publicitário Marcos Valério com o PT foram, em diferentes momentos, identificados vários outros ministros do governo Lula, intocados em seu sossego.

Sayad e Murilo são nomes fortes para Fazenda

Este estilo camarada com que o presidente se conduz no governo foi lembrado, ontem, por auxiliares de Lula, para estabelecer uma diferença clara com o que está acontecendo agora em relação ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Neste caso, dizem assessores, o presidente não está deixando falar mais alto o coração, e sim a razão. Lula tem reais dificuldades em dispensar colaboradores mas, quanto a Palocci, há, no momento, uma decisão de não demiti-lo nem aceitar seu pedido de demissão. Segundo um importante e próximo aliado do presidente, não é, como se aventou nesses dois últimos dias, por falta de substitutos que o governo petista não pode abrir mão do seu ministro da Fazenda. "Murilo Portugal é um nome, João Sayad é outro nome, ambos são fortes ministros da Fazenda à escolha do presidente para este último ano de mandato", assegura este interlocutor, indicando que os substitutos são adequados e estão à mão. Lula tomou a decisão de manter o ministro da Fazenda por três razões principais, todas analisadas ontem na reunião de coordenação política, no Palácio do Planalto, e adotadas como estratégia de ação e de discurso por todo o governo. A primeira, relata este assessor, é que com um ano de crise o "produto concreto das CPIs é pífio". Assim, só teria restado à oposição "tumultuar a política econômica", e isto o presidente teria decidido não permitir. A segunda razão é que o presidente está também convencido que se um ministro da Fazenda, que tem o controle das finanças do país, quisesse fazer "advocacia administrativa", síntese encontrada para definir um conjunto de concessões de facilidades e atendimento a lobbies, não precisaria recolher-se "à casa de Ribeirão Preto". A terceira razão é que Lula acredita e confia em Palocci: "Ele disse ao presidente que nunca foi a esta casa e que quem diz o contrário está mentindo, e o presidente acredita nele", relata o interlocutor com acesso às decisões. Portanto, quer pelo aspecto político, inclusive pela vulnerabilidade e insegurança que uma troca de comando da economia levaria ao governo e ao mercado, (sem falar os reflexos na campanha da reeleição), quer por confiar no que diz Palocci, o presidente está decidido a não permitir o afastamento do ministro da Fazenda. Na reunião de coordenação política, ontem, decidiu-se também a batida na ferradura: "O governo não pode acobertar a quebra de sigilo bancário do caseiro que revelou ter visto Antonio Palocci na casa de Ribeirão Preto. A ordem é ir adiante na investigação e, uma vez descoberto o responsável, cortar imediatamente sua cabeça". Os aliados de Lula, que antes comemoraram a descoberta dos depósitos na conta de Francenildo como peça de desmoralização da denúncia, estão achando agora que a obra de "algum puxa-saco" acabou desmoralizando o governo.