Título: Estrada Real quer seguir o caminho de Compostela
Autor: Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Especial, p. A18

Turismo BID e indústria de MG investem na rota do ouro do século XVII

Com 1,4 mil quilômetros de extensão, quase o dobro do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, a Estrada Real é hoje considerado o circuito turístico com maior potencial econômico no Brasil. O diagnóstico não é só do Ministério do Turismo e dos governos de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo - Estados por onde passa o roteiro - , mas também do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que concluiu ano passado estudo sobre as perspectivas de desenvolvimento sócio-econômico no caminho aberto pelos portugueses no século XVII. Com base no diagnóstico, o banco resolveu aplicar US$ 1,7 milhão em programas de desenvolvimento das microrregiões da Estrada Real. Os recursos começam a chegar este mês. A Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) colocará mais US$ 1,7 milhão.

A meta do Instituto Estrada Real, criado pela Fiemg para gerenciar os programas de desenvolvimento nos municípios do circuito, é conseguir, até 2007, atrair cinco turistas por dia para cada um dos 1,4 mil quilômetros da estrada. O que significará receber 2,5 milhões de turistas por ano no circuito. Para atender à demanda, a previsão é que sejam criados nos próximos dois anos cerca de 180 mil novos postos de trabalho nas cidades da região. Fazem parte do circuito 177 municípios. A maior parte deles, 162, está em Minas. Oito estão no Rio e sete em São Paulo. A Estrada Real foi instituída como rota oficial da Coroa Portuguesa. Única via autorizada de acesso à região das reservas auríferas e diamantíferas de Minas Gerais, o caminho real levava ouro e diamante para os portos de Paraty e Rio. O circuito é composto por três trechos. O "Caminho Velho" liga o porto de Paraty a Vila Rica (atual Ouro Preto), região onde estavam as minas de ouro. A viagem, no tempo do Brasil colonial, durava de 75 a 90 dias. O "Caminho Novo", construído em 1701, liga Vila Rica ao Rio de Janeiro. O terceiro trecho, o "Caminho dos Diamantes", foi aberto em 1729 com a descoberta de diamantes no Arraial do Tejuco (atual Diamantina), ligando Vila Rica ao arraial. Além de estimular a abertura de estabelecimentos diretamente ligados ao turismo, como pousadas e restaurantes, a promoção do circuito Estrada Real resultará também em indústrias na região, acredita o diretor do Instituto Estrada Real, Eberhard Hans Aichinger Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo pode alavancar atividades econômicas em outros 52 setores, como construção civil, indústrias de móveis, material elétrico e gráficas. Com base nesses estudos, o BID e a Fiemg estão apostando no sucesso do programa de fomento ao turismo na estrada. Os US$ 3,4 milhões do banco e da entidade empresarial serão aplicados em três microrregiões do circuito: Ouro Preto (que inclui ainda Mariana e Congonhas), Santa Bárbara (que inclui Caraça) e São João Del Rey (que inclui Tiradentes). O pontapé inicial será a contratação de uma empresa estrangeira, especializada em desenvolvimento de pólos turísticos, para atuar como consultora do programa para estabelecer cadeias produtivas nessas microrregiões. Os programas vão incluir da formatação de produtos locais e apoio para abertura de novos negócios à capacitação da gestão. Quatro segmentos deverão receber especial atenção: queijos, cachaça, gemas e jóias e artesanato. No caso dos queijos, por exemplo, o objetivo é inventariar os laticínios com potencialidade turística para a formatação de uma rota de queijos finos da Estrada Real. Rotas de visitação a alambiques e minas de extração de pedras preciosas são outros produtos que poderão ser explorados no circuito. No trecho mineiro do caminho real existem outras cinco microrregiões: Carrancas, Serra do Cipó, Diamantina, São Lourenço e Juiz de Fora. O BID acredita que o exemplo de desenvolvimento da cadeia produtiva nos primeiros pólos norteará, no futuro, o desenvolvimento das outras cidades. De acordo com o diagnóstico do técnicos do BID, a oferta atual de produtos nas cidades mineiras da Estrada Real está aquém das necessidades turísticas. "Nenhum dos pólos pode ser considerado ainda como um produto turístico", avaliaram os técnicos do BID. Atualmente a maior parte dos turistas (70%) é do próprio Estado. De São Paulo e do Rio, são 16%. De outros Estados, 6%. Turistas estrangeiros são apenas 6% dos que visitam municípios do circuito. A maioria dos turistas tem menos de 40 anos e gasta menos de US$ 30 por dia. Mais de um terço dos visitantes (33%) fica apenas um fim-de-semana. Só 15% ficam mais de duas semanas, percorrendo vários trechos da estrada. Aichinger reconhece que há muitos obstáculos a serem superados para que a rota possa ser vendida como produto turístico em todo o mundo. Apesar disso, é mais do que otimista em relação o futuro. "Temos potencial para receber mais turistas do que recebe hoje o Caminho de Santiago." Como na rota medieval espanhola, a Estrada Real também tem apelo religioso. O trecho de 560 quilômetros entre o Caraça, santuário construído pelos jesuítas em Minas Gerais, e a Basílica de Aparecida, em São Paulo, deverá ser mapeado para que os peregrinos possam conhecer marcos da presença dos jesuítas no país. Turismo de aventura em montanhas e cachoeiras, turismo histórico-cultural com visitas a cidades reconhecidas como patrimônio da humanidade e turismo gastronômico são outras vocações do circuito. A logomarca da Estrada Real, com alusão à Coroa, já é licenciada para uso em vários produtos. A Fiat lançou uma série especial do veículo Dobló, batizada com a logomarca do caminho histórico. A indústria de laticínios Itambé colocou no mercado três versões de doce-de-leite com a chancela da marca. A relação dos produtos licenciados inclui café, chocolates, peças em estanho e bolsas. O presidente da Telemig Celular, Ricardo Grau, investiu na abertura do Espaço Real, um bar temático com ícones da rota aberta pelos portugueses, em Belo Horizonte. É com o dinheiro desses licenciamentos que o instituto espera se manter.