Título: Operadoras tropeçam na dívida
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Empresas &, p. B1
Celulares Competição faz com que Vivo e TIM deixem de cumprir cláusulas financeiras
Vivo e TIM, as duas maiores operadoras de celular do Brasil, deixaram de cumprir, no ano passado, cláusulas que constam de contratos de financiamentos com o BNDES. Segundo informações disponíveis nos balanços das empresas, deixaram de ser atingidas metas relacionadas ao lucro operacional, o que mostra que a rentabilidade das teles é inferior à que elas próprias tinham em vista quando tomaram os empréstimos e revela mais um efeito da forte competição no setor. A Tele Centro Oeste Celular (TCO) e a Global Telecom - controladas pela Vivo - descumpriram metas previstas nos contratos com o banco estatal. A TCO, cuja dívida com o BNDES era de R$ 83,5 milhões em dezembro, não alcançou a margem operacional medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações (lajida). A Global, com R$ 232,5 milhões a pagar, não cumpriu o índice calculado pela proporção entre a dívida líquida total e o lajida. As empresas obtiveram do BNDES um perdão formal, válido até o final deste ano. A Telebahia, empresa da Vivo que está debaixo da Tele Leste Celular Participações, também falhou no atendimento de uma cláusula de contrato com o Banco Europeu de Investimentos (BEI). A operadora não atingiu o saldo previsto para a diferença entre o lajida e as despesas financeiras de empréstimos. A empresa também recebeu perdão até o fim de 2006. Procurada pelo Valor, a Vivo não quis comentar o assunto. No caso da TIM Brasil, uma de suas controladas - a TIM Sul - não alcançou a relação entre lajida e passivo circulante (com vencimento em até 12 meses). Trata-se de uma das cinco cláusulas restritivas de um contrato assinado com o BNDES no fim dos anos 90 e que expira em janeiro de 2007. O diretor financeiro do grupo, Stefano De Angelis, diz que os índices foram estabelecidos com base na perspectiva de um cenário bem diferente para o setor. Imaginava-se que o país teria, hoje, 30 celulares para cem habitantes. Essa relação, na verdade, está perto de 50. A TIM também está em negociações para obter o perdão do BNDES. O saldo da dívida da TIM Sul, de R$ 19 milhões, foi todo registrado no passivo circulante do balanço patrimonial de 2005. "Quando esse empréstimo foi feito, ninguém poderia imaginar que o mercado cresceria tanto. As projeções das empresas eram outras e os investimentos aumentaram muito, o que eleva o passivo circulante", ressalta De Angelis. Quando as empresas descumprem cláusulas de contratos de empréstimo, o credor tem algumas alternativas: pode conceder um perdão formal, se considerar que o risco de calote é pequeno; pode pedir alguma garantia; e, em casos extremos, pode exigir o pagamento antecipado do principal. O BNDES informou, por meio da assessoria de imprensa, que não poderia se pronunciar sobre o fato porque recai sobre o sigilo bancário dos clientes. O banco declarou que não há qualquer atraso nos pagamentos devidos pelas teles. O BEI também afirmou que não poderia dar declarações sobre a Vivo. A Oi, operadora de telefonia móvel da Telemar, lançou mão da estrutura do grupo para acomodar débitos com o BNDES. Em 29 de dezembro, transferiu sua dívida de R$ 620 milhões com o banco à operadora de telefonia fixa. Questionado pelo Valor durante teleconferência sobre os resultados de 2005, o diretor de relações com investidores, Roberto Terziani, disse que a transferência foi feita porque operadora fixa gera mais caixa. "A Oi tem receita e lucratividade menores", acrescentou. A Telemig Celular e a Amazônia Celular informaram em suas demonstrações financeiras que estão cumprindo todas as cláusulas restritivas dos contratos que têm com o BNDES. A Claro, controlada pela América Móvil, é formada por sociedades anônimas de capital fechado que ainda não apresentaram balanços. A Brasil Telecom GSM, controlada pela empresa de telefonia fixa, ainda não publicou as demonstrações financeiras auditadas. Divulgou apenas um comunicado sobre os resultados em que não consta essa informação. O BNDES é um dos grandes financiadores dos projetos de construção e expansão das redes de celular e importante credor do segmento de telefonia em geral. De 2001 a 2005, os desembolsos da instituição para correios e telecomunicações (fixas e móveis) somaram R$ 7,3 bilhões. Somente no ano passado, o valor liberado foi de R$ 1,67 bilhão. Em 2005, o banco aprovou uma linha de R$ 1,34 bilhão ao grupo TIM, sendo que R$ 715 milhões foram liberados até agora. Esse empréstimo nada tem a ver com o concedido à TIM Sul. A TIM investiu, no ano passado, R$ 2,6 bilhões. A avaliação de analistas consultados pelo Valor é de que o descumprimento de cláusulas com o BNDES provavelmente indica um desbalanceamento momentâneo e está longe de significar um cenário de crise financeira. Todos disseram que não tinham conhecimento de que as teles haviam deixado de atender metas com credores. "Não vejo nada preocupante, é uma coisa pontual e está relacionada ao nível de competição no mercado brasileiro", afirma Alex Pardellas, do ABN Amro. Mas, segundo um analista que falou sob a condição de anonimato, é um fato que acende o sinal amarelo. "Os contratos com o BNDES têm vários indicadores. Enquanto apenas um for descumprido, não vejo problemas porque não necessariamente mostra falta de liquidez. Mas é um patamar em que empresa e credor precisam conversar de novo", diz. Outro analista, que também não quis ser identificado, destaca que a Vivo e a TIM estão em situações diferentes. A primeira está perdendo participação no mercado e rentabilidade, ao passo que o grupo italiano está crescendo. Os casos da Vivo, TIM e Oi (em menor escala) revelam conseqüências da competição desenfreada que se viu entre as operadoras nos últimos anos e que, embora tenha dado sinais de desaceleração no fim de 2005, deixou marcas nas demonstrações financeiras. Estudo feito pelo Valor Data com oito celulares listadas em bolsa (incluindo a Oi, que está dentro da Telemar), a dívida líquida do setor caiu 40,6% ante o fim de 2004. Em dezembro último, era de R$ 1,16 bilhão. Contribuíram para isso o esforço da Vivo para reduzir o endividamento e a transferência de compromissos da Oi para a controladora. Nessa amostra, a TIM Participações aparece com caixa líquido de R$ 1,1 bilhão. Até o fim de 2005, a empresa incluía apenas as operações do grupo no Sul e Nordeste. No mês passado, a companhia anunciou uma reestruturação que transferirá para a Participações todos os ativos operacionais. Acima dela continuará a holding TIM Brasil, que fechou o ano com dívida líquida de R$ 97,4 milhões, ante caixa líquido de R$ 324 milhões em 2004. O cálculo foi feito deduzindo-se dos empréstimos as disponibilidades da empresa.