Título: Bronca internacional
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 27/05/2010, Brasil, p. 12

DIREITOS HUMANOS

Relatório da Anistia avalia como preocupante o desrespeito brasileiro nas áreas social e de segurança

Preocupada com a garantia dos direitos humanos no Brasil, a Anistia Internacional encaminhou carta aos três principais pré-candidatos à Presidência da República Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) cobrando que se posicionem publicamente sobre a terceira edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH 3). Em anexo ao texto entregue aos presidenciáveis, a organização não governamental enviou a íntegra de um estudo sobre violações realizado em 159 nações dos cinco continentes. Apesar de admitir que o país vem alcançando grande visibilidade internacional por conta de seus esforços no combate à fome, o organismo classifica como preocupante o desrespeito do senso comum na segurança pública (presos), nos movimentos sociais, nas áreas rurais, e nos megaprojetos desenvolvimentistas, como a usina de Belo Monte (PA).

A Anistia Internacional também dá um puxão de orelha no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter cedido às pressões dos militares, da Igreja Católica e da bancada ruralista para alterar alguns pontos, considerados importantes, do PNDH 3. Essa, inclusive, foi uma das maiores preocupações do relatório. Quando esses grupos organizados se posicionaram contra o PNDH, o governo se mostrou muito rápido a recuar e se distanciar da própria política que tinha sido assinada por 32 ministérios. Era uma questão que tinha o aval da maioria das pastas e, no primeiro questionamento, houve o movimento de ré. Isso ameaçou muito o conceito de direitos humanos. Foi chocante, porque as partes suprimidas tocam em temas de interesse para todos os brasileiros, como saúde, educação e saneamento básico, avalia Tim Cahill, especialista em Brasil da Anistia Internacional.

O organismo multinacional que listou os principais itens que ameaçam a aplicação dos direitos humanos no Brasil (leia quadro ao lado) explica que o envio de uma carta a Dilma, a Serra e a Marina tem o objetivo de reivindicar que os futuros presidente e governadores se mostrem mais corajosos em relação aos direitos dos cidadãos brasileiros. Se o conceito de direitos humanos é ameaçado por esses grupos (militares, Igreja Católica e bancada ruralista) e se o governo (atual) mostra-se tão facilmente intimidado pela primeira pressão quando se levanta o tema, esperamos que os próximos governantes sejam mais firmes e respeitosos em relação aos direitos básicos da população, critica Cahill.

Sediada em Londres, na Inglaterra, a Anistia Internacional critica ainda o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), braço direito do governo federal na implementação de grandes projetos nacionais. O banco tem que garantir mecanismos de proteção para avaliar os impactos sociais e ambientais dos projetos nos quais está financiando. Isso não ocorre atualmente e os projetos continuam sendo implementados ao custo dos direitos humanos dos mais vulneráveis, aponta Cahill. O BNDES informou ao Correio que não iria se pronunciar.

Instrumento Procurada pela reportagem, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República reconhece o relatório da Anistia Internacional como um documento padrão, que informa sobre a situação dos direitos humanos em diversos países do mundo. O governo brasileiro recebe o documento como um importante instrumento que ajuda a identificar fragilidades na proteção dos direitos humanos por parte do Estado. No entanto, cabe assinalar que esse tipo de relatório é assentado em informes prestados por organismos da sociedade civil, sem que as autoridades públicas tenham sido consultadas, diz o texto.

Protesto na Funai pede novo presidente

Renata Mariz

Um grupo de cerca de 200 indígenas voltou a fazer ontem, em Brasília, mais um protesto contra a reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) definida em decreto de 28 de dezembro do ano passado editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem dialogar com os movimentos. Entre as consequências da medida que desagradaram aos índios está o fechamento das administrações e de postos indígenas pelo país. No lugar de tais estruturas, seriam criados comitês e coordenações. Mas até o momento nada foi feito. Depois de impedirem que funcionários entrassem na sede da Funai, por volta das 11h, os manifestantes se mantiveram na entrada do prédio a tarde inteira, sem conseguirem uma audiência com a diretoria da fundação.

À tarde, eles chegaram a destituir simbolicamente o atual presidente do órgão, Márcio Meira, e a nomear Arão da Providência Araújo Filho, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) e representante da etnia Guajajara, do Maranhão. Desde que esse decreto passou a vigorar, estamos sem ordem na Funai. Criou-se um vácuo na administração das questões indígenas, destaca Arão. Alguns grupos, entretanto, divulgaram nota dizendo não reconhecer Arão presidente.

A Funai afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que desde janeiro se dispôs a conversar com o grupo, mas eles teriam reivindicado uma audiência com Lula, e que ontem não havia como fazer a reunião. Até o fechamento da edição, os índios permaneciam em frente ao prédio.

Para Saulo Feitosa, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário, falta diálogo. O decreto veio para modernizar o órgão, mas, da forma que foi feito desperta desconfiança. Entendo que o governo precisa explicar aos índios como ficará a gestão da política indígena, e não agir de forma autoritária, comenta Feitosa.

Muita promessa, pouca ação

Relatório da Anistia Internacional divulgado ontem, mostra que, apesar do esforço do governo brasileiro em garantir os direitos humanos, pouco do que é prometido se torna realidade. Na segurança pública, por exemplo, policiais continuam a usar força excessiva e a praticar execuções extrajudiciais e torturas com impunidade. O texto ainda cita que os povos indígenas, trabalhadores sem terra e pequenas comunidades rurais continuam a ser ameaçados e atacados. Confira, abaixo, um resumo das observações feitas pela Anistia Internacional em relação ao Brasil.

Impunidade por violações do passado Uma das propostas da terceira edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) era o compromisso de se criar uma Comissão da Verdade e Reconciliação para investigar os abusos durante o regime militar (1964-1985). Alguns familiares das vítimas e ONGs especializadas criticaram as propostas iniciais, pois a competência da comissão parecia não incluir a instauração de processos contra os violadores.

Forças policiais e de segurança Houve relatos persistentes de uso excessivo da força, de execuções extrajudiciais e de torturas cometidas por policiais. Moradores de favelas ou de comunidades pobres, frequentemente sob controle de grupos criminosos armados, foram submetidos a incursões policiais de estilo militar. Alguns estados, como Rio de Janeiro e Pernambuco, lançaram seus próprios projetos individuais de segurança pública, com resultados contraditórios.

Milícias O aumento das milícias grupos armados formados, na maior parte, por policiais fora de serviço foi tamanho que um estudo acadêmico afirmou que, no Rio de Janeiro, elas controlavam mais favelas do que as facções do tráfico. Aproveitando-se de seu poder sobre as comunidades para obter vantagens econômicas e políticas ilícitas, as milícias ameaçavam a vida de milhares de moradores, assim como as próprias instituições do Estado.

Tortura e condições prisionais Os detentos continuam sendo mantidos em condições cruéis, desumanas ou degradantes. A tortura era utilizada regularmente como método de interrogatório, de punição, de controle, de humilhação e de extorsão. A superlotação continuou sendo um problema grave. O controle das penitenciárias por gangues fez com que o grau de violência entre os prisioneiros aumentasse. A falta de supervisão independente e os altos níveis de corrupção contribuíram para perpetuar os problemas.

Disputas por terra Os conflitos por terra continuam a provocar violações de direitos humanos, cometidas tanto por policiais quanto por pistoleiros contratados por fazendeiros. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre janeiro e meados de novembro de 2009, 20 pessoas foram assassinadas em conflitos fundiários no Brasil. O relatório cita violações de direitos dessa natureza no Rio Grande do Sul e no Maranhão.

Direitos dos trabalhadores As normas comuns aos trabalhadores continuam a ser violadas, principalmente no setor agrícola. Constatou-se que milhares de trabalhadores eram mantidos em condições consideradas pela legislação nacional como análogas à escravidão, apesar dos grandes esforços para combater essa prática. Em novembro passado, em decisão significativa, um juiz federal do Pará sentenciou 27 pessoas a penas de prisão por utilizarem trabalho escravo.

Direitos dos povos indígenas Em março de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou uma contestação à legalidade da reserva Raposa Serra do Sol (RR). A decisão foi considerada uma vitória para os indígenas; porém, também continha diversas condições que enfraquecem reivindicações futuras. O Mato Grosso Sul continuou a ser foco de abusos graves contra os direitos humanos dos povos indígenas no Brasil.

Fonte: Anistia Internacional