Título: A importância da arbitragem nas PPPs
Autor: Selma Ferreira Lemes
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"O Estado deve ater-se aos princípios da eficiência, aproximando do setor público a forma e o desempenho do setor privado"

Desde a última década do século 20, o direito administrativo passou a ter uma nova pele e não adianta continuar vesti-lo com as velhas roupas de outrora. Essa metáfora foi utilizada por um jurista espanhol, mas serve como uma luva ao direito administrativo brasileiro. As reformas constitucionais deram novas feições ao Estado, que deixou de ser "empresário" para se tornar "agente regulador e fomentador" da atividade econômica exercida pelos particulares. Na gestão da máquina administrativa, o Estado deve ater-se aos princípios da eficiência, proporcionalidade e economicidade, aproximando a forma e desempenho do setor privado ao setor público. Atualmente, entre o direito público e o direito privado há mais zonas de convergências do que divergências. Princípios jurídicos do direito contratual, tais como, boa-fé, lealdade contratual etc. integram os contratos administrativos e convivem harmoniosamente com as cláusulas exorbitantes (exceções e prerrogativas da administração pública em razão do interesse público). Nas Parcerias Público-Privadas (PPPs; lei nº 11.079/04) e na concessão simples (lei nº 8.987/95), em razão da complexidade, duração dos contratos e vulto dos investimentos, essas premissas cada vez mais se sedimentam. Os particulares, além de colaboradores da administração, são parceiros e investidores. Todos esses fatores contribuem para ambiente em que o diálogo e a negociação preponderem e os poderes públicos atuem com técnicas e métodos análogos aos do mercado. Sabino Cassese afirma que os interesses públicos não estão regulados desde o exterior ou planificados pela lei, mas negociados contratualmente em atividades paralelas ou seqüenciais, atentando para a lógica do intercâmbio. Completa, o jurista italiano, que estamos na era da "mercantilização" do direito administrativo. É nesse ambiente designado de administração pública consensual que a arbitragem, instituto jurídico do direito civil e processual civil, é chamada a atuar para solucionar as controvérsias que surjam desses contratos. Mas, nesse ambiente de intercâmbio entre diversos ramos do direito, uma nova ciência é chamada a depor e se relaciona com a arbitragem. É a denominada análise econômica do direito (Direito e Economia). Ao deslocarem-se as lentes do jurídico para o econômico, observa-se que a solução de controvérsias por arbitragem possui forte componente econômico. A inclusão da arbitragem nos contratos administrativos de concessão simples e nas PPPs (concessão patrocinada ou administrativa) representa diminuição no custo de transação. A teoria econômica do custo de transação determina que todos os fatores que possam influenciar no regular cumprimento dos contratos estejam previstos, quantificados e refletidos no preço final.

A solução de controvérsias por meio da arbitragem possui um forte componente econômico

Assim, se o contratante puder prever que eventuais diferenças surgidas serão dirimidas por arbitragem, evitando o uso do Judiciário, que é sabidamente moroso em razão do acúmulo de demandas, pletora de recursos, utilização do processo com fins de retardar pagamentos etc., e em decorrência da complexidade da matéria, seguramente os custos de transação serão menores e os benefícios serão colhidos por toda a sociedade, pois haverá economia de recursos públicos. Estudos efetuados por economistas em mais de mil contratos de concessão firmados na América Latina entre 1989 a 2000, atestam que a previsão da arbitragem contribuiu para facilitar a negociação nos contratos. A arbitragem é considerada componente importante para a viabilidade do negócio, fato verificado no contrato de concessão do túnel sob o Canal da Mancha. Há estudos na área econômica que demonstram que a vigência interna da Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras firmada em Nova York em 1958, gera a confiança dos investidores estrangeiros e é fator de atração de capital. Essa Convenção vigora no Brasil desde 2002. Um exemplo da importância da arbitragem nos contratos de concessão de obras públicas vem do Chile. Em dez anos de implantação do sistema, já possui mais de 45 contratos dessa natureza, nas áreas de construção de rodovias, aeroportos, estabelecimentos prisionais etc. As conseqüências dessas iniciativas são visíveis e o impulso dado ao desenvolvimento chileno é algo que não passa despercebido. As autoridades chilenas informam que para construir um pequeno trecho de uma rodovia, se tivesse que executar com recursos próprios necessitaria de 50 anos, o que foi efetuado sob o regime de concessão rapidamente. Todavia, para que essas concessões pudessem atrair o interesse dos investidores, a legislação chilena passou por diversas alterações, sendo a forma de solução de controvérsias peça importante dessa engrenagem. O legislador aprimorou o sistema e incluiu a arbitragem, por seus reflexos na economia do contrato e segurança do negócio. Assim, a arbitragem, além de ser um instituto jurídico é, também, um negócio financeiro. Tal fato foi aferido pelo legislador brasileiro ao ratificar a arbitragem nas PPPs. Agora, o próximo passo será regular procedimentos justos e equilibrados na operacionalização das arbitragens nesses contratos, permitindo a geração de eficiências para a sociedade.