Título: Exportações, emprego e eleições
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, Brasil, p. A2

Alguns sinais novos apareceram na balança comercial do primeiro bimestre, especialmente quando o valor do comércio exterior é separado em preço e quantidade. De um lado, há um claro arrefecimento no ritmo de crescimento das exportações. Pelos dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), apenas o volume embarcado de bens manufaturados cresceu em fevereiro deste ano em relação a igual mês de 2005. Em básicos e semimanufaturados, o país vendeu 6% e 5% menos, em quantidade, em igual período. Na prática, sem o forte aumento de preços em básicos e semimanufaturados, as exportações do país no primeiro bimestre teriam ficado apenas 9,5% superiores às de 2005! E o saldo comercial do período teria sido inferior ao do ano passado, porque as importações têm forte crescimento de volume - além de uma pequena melhora de preço. No primeiro bimestre, o país importou 34% mais máquinas e equipamentos, 14% mais insumos e matérias-primas e 48% mais bens de consumo duráveis. Queda mesmo, só de combustíveis: 12% menos em janeiro e 18% menos em fevereiro, sempre considerando volume e não valor total das importações. Os números são reflexo do que acontece no dia-a-dia das empresas: o real valorizado encareceu os custos internos de produção, especialmente dos setores exportadores intensivos em mão-de-obra. Para cortar custos, as empresas têm convergido em duas estratégias: reduzir custo de pessoal via demissão e trocar fornecedor interno por externo. Essa opção empresarial tem tido reflexos perversos no nível de emprego em algumas cidades do país. Em São Bento do Sul, cidade catarinense cuja economia depende do setor moveleiro, 810 dos 14 mil empregos da indústria já foram cortados. Em Campo Bom, um dos municípios do pólo calçadista do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, o número de demissões chega a 1,5 mil pessoas nos últimos 12 meses, 10% do total empregado na indústria local em 2004. Na edição de ontem do Valor, em reportagem de Raquel Landim, Guido Pelizzari, diretor-geral da Sandretto, fabricante de máquinas para o setor plástico, apontava outro potencial perdedor da readequação das médias e grandes empresas ao novo patamar do câmbio: "Essa situação está destruindo os pequenos fornecedores, que surgiram nos últimos anos". Em uma economia globalizada, dirão os gurus do livre mercado, quem não tem competência para concorrer, deve mesmo desaparecer. Mas e se a ineficiência não for do empresário, mas decorrer de um erro de política econômica, como ficamos? Em um ano de eleições presidenciais em que a inflação está sob controle e o governo federal e o do seu principal adversário estão com as contas em ordem, mostrando equilíbrio fiscal (a discussão da "qualidade" do gasto público tende a ser secundária para o eleitor comum ), onde estará centrado o debate econômico? Na taxa de juros e na taxa cambial. A Argentina, com juros negativos e câmbio próximo a 3 pesos, cresceu 9% no ano passado e as projeções apontam mais 7% este ano.

Há 12 anos, país segue a mesma cartilha

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin - candidato do PSDB à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva - fez um raciocínio conservador e ortodoxo quando pincelou idéias de programa econômico, na semana passada, em Brasília. "Se você melhorar a qualidade do gasto público, você pode ter uma política monetária muito melhor para o crescimento. Juros muito mais baixos. Com isso, você vai melhorar o câmbio", desfiou o governador. Um pouco mais adiante indicou que pode apoiar um corte de tarifas de importação (proposta defendida pela equipe de Antonio Palocci). "O país está sendo vítima de não-crescimento porque nós estamos importando pouco, então você tem um saldo da balança comercial altíssimo, o que joga o câmbio para baixo. Se você estivesse importando mais, o saldo da balança comercial estaria melhor e o câmbio não estaria tão ruim", disse o governador, segundo relato do repórter Raymundo Costa, no Valor do último dia 17. Em São Paulo, Alckmin cortou alíquotas de ICMS. Alckmin está começando a pensar em seu programa de governo. O pouco que ele sinalizou nesta primeira entrevista sobre economia, no entanto, o deixa longe de qualquer proposta heterodoxa, com algum tipo de intervenção no mercado de câmbio para levá-lo a um nível extremamente desvalorizado que desse ao país um câmbio chinês ou mesmo argentino. A campanha eleitoral está começando. Lula terá que defender sua política econômica, mas ele terá bons números para apresentar, apesar dos juros altos. Está entregando ao país um crescimento econômico acumulado de 12% - se o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano crescer 4,0%. No primeiro mandato, Fernando Henrique acumulou 10,6% de crescimento e no segundo, 8,6%. Crescimento pode não ser um cabo eleitoral forte o suficiente, até porque a média anual ficará abaixo de 3,0%, muito pouco para o Brasil. Mas quais propostas serão colocadas ou deixadas na mesa por Lula e Alckmin? Ajustes no modelo que está vigorando há 12 anos? Ou teremos alguma mudança de rumo na doutrina iniciada pelos tucanos e mantida pelos petistas? Melhorar o gasto público para abrir espaço a uma queda mais forte da taxa básica de juros, aperfeiçoar o sistema de metas de inflação, e cortar alíquota de importação para elevar as compras no exterior e assim desvalorizar o câmbio são propostas de ajuste para um modelo conhecido. Os sinais que apareceram na balança comercial no início deste ano não significam uma mudança de tendência, não apontam para déficits comerciais. Mesmo com exportações arrefecendo o ritmo e importações acelerando, ainda teremos superávits muito elevados. Se as importações subirem de patamar, o câmbio pode desvalorizar-se. Mas ainda são "ajustes". Ainda não será uma política econômica capaz de fazer do país, de fato, uma plataforma de exportações. Ainda seremos um país que vende no exterior uma parcela (talvez o excedente) da sua produção. Será suficiente para mantermos os empregos atuais e crescermos a um ritmo que transforme os atuais beneficiários de programas de transferência de renda em consumidores empregados?